DOMINGO DE AGOSTO SEM PAI
Beto Muniz
 
 

A saudade sempre me pareceu redonda.
Como uma bola de aço que vai pesando
e apertando no peito..
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- GEOMETRIA, Beto Muniz -

Nem perco tempo ensinando como é que se chega porque quem não é daquelas bandas, nem nunca deu um passeio por lá, não vai saber como chegar. Não está no mapa e precisa mesmo ir com um conhecido, alguém que sabe bem cortar aquelas veredas, qual córrego pode molhar os pés e a direção a seguir após cada uma das mil encruzilhadas. Lá pelos idos de 1979 não teria problema algum tomar rumo contrário do que deveria. Máximo que poderia acontecer era querer chegar a Monte Alto e ir parar em Porteirão, ou então se a intenção era Carneirinhos, entrar em Limeira D'Oeste.

Assuste não, viu? Todos esses lugares são amistosos, mora gente que te recebe com a caneca esmaltada meiada de café passado na hora e uma prosa esticada antes de informar o rumo certo. Pode ser que te peçam para levar uma carta, um frango, um queijo ou qualquer outra encomenda para um parente que mora ali adiante. No caminho se cruza com boiada, chão puro, poeira dura, mata de um lado, pasto do outro, arame farpado dos dois lados, estrada estreita, porteira para a infinidade de bois e mata-burros para os carros, contados.

Isso acontecia!

Rio, riacho, córrego ou mina d'água tinha de monte! Ponte não. Tinha asfalto sim, mas isso era lá pras bandas de Frutal, caminho para Uberada ou Uberlândia. Muito chão! Pastel de gueiroba, sabe o que é? Mocinha da capital perguntou se tinha pastel de palmito e foi informada que era igual. Era nada! Tem a mesma origem, sabor é diferente dos palmitos em conserva. Experimente! Periga achar ruim mas vale conhecer o gosto. Refrigerante é na garrafinha de vidro, pode pedir para furar a tampinha que o moço entende, enfia um canudinho e pronto! Hora de lembrar que estamos em 2006 e pegar novamente a estrada, agora asfaltada, repleta de caminhão, carreta dupla, cargas altas, cinco metros de cana, vai para a usina de Gurupi, ali no entroncamento das estradas que seguem para União de Minas, Alexandrita, Limeira D'Oeste e além, até Estrela da Barra, que virou Vila Triângulo. Como bem disse meu amigo William Stutz, o poético virou geométrico.

Posto do Carlito, feio! Se fosse na capital nem parava para abastecer, mas a qualidade é garantida pela honestidade do dono, gente das antigas, preza o nome a honra, na vida só batizou mesmo foi filhos, netos e afilhados. A feiúra das coisas é por conta da poeira, do sol, dos anos. Córrego da Tronqueira, aí sim, quase chegando em Iturama! Descanso, pouso eterno do pai e da irmã caçula, sol aceso, cruel, a flor fenece ainda no meio da oração e a saudade é posta de lado junto com a lágrima porque a viagem de volta começa de imediato. O caminho é bom o que maltrata é essa saudade braba.

Na minha mente ainda corto córregos, passo pinguelas, paro para boiadas... Guinada súbita para a esquerda, é um tatu na pista. Tucanos no céu, a vida continua apesar das matas terem dado lugar para o cultivo de cana nos dois lados da estrada. No posto do Carlito eu abasteço e dou adeus novamente para Minas Gerais. Eu e Deus sabemos quanto de minha história deixo para trás.