O SUCESSO DO UÓSHITO
Doca Ramos Mello
 
 

Se o senhor quer saber da verdade verdadeira, tem de me escutar, seu jornalista. Porque essa gentinha toda aí não sabe da missa a metade, é tudo curioso, eu é que sei... Porque o Uóshito nasceu foi praticamente na minha casa, a Ademilde, mãe dele, que Deus a tenha, era muito amiga da minha mulher e, na época, quem disse que desse buraco aqui dava tempo para chegar no hospital, se até hoje ainda não dá e as mulheres desta favela quando emprenham se internam muito antes que é p’ros meninos não nascerem por aqui mesmo, como Deus é servido... Foi assim com o Uóshito.

O que eu sei é que a Ademilde, coitada, embarrigou por essas vielas, nem sabia nem procurou saber quem era o pai do moleque, isso não é preocupação por aqui, moço, mas botou nele o nome de Uóshito na crença de que o menino ia ser o maior craque de futebol do mundo, era o sonho dela, dizia que Uóshito era nome de presidente, umas idéias que só na cabeça dela, coitada, sempre com a cara chapada de pinga, Ademilde vivia ‘na cana’... Mas Uóshito sempre foi um perna-de-pau, mal jogava para completar os timinhos do campo careca que a gente tem aí pelos morros, era muito ruim. Então, se ele jogou foi só até os doze, treze anos, até porque já nesse tempo andava por aí com fuzil na mão e fumando maconha, uma tristeza... O que eu não sei, e isso é uma novidade p’ra todo mundo aqui, é como foi que ele virou isso de ator de filmes. A gente ficou sabendo porque as meninas se ouriçaram todas com o tal do filme mais a revista de homem pelado que apareceu aqui, o Uóshito lá, nu em pêlo, de chapéu de boiadeiro...

O senhor sabe o que é nu artístico?! Falaram que era isso.

P’ra nós aqui, falando entre nós, na sinceridade, achamos que é uma coisa meio sem-vergonha, mas Uóshito até apareceu num programa de televisão dando entrevista, virou famoso, todo tatuado, marombado, uma novidade mesmo. A moça do programa perguntava lá umas malícias para ele e ele mandava umas respostas que só plim, bang, puf, que a televisão não pode deixar essas vergonheiras se exibir assim, eu sei que o senhor sabe bem o que estou explicando...

Nu artístico que a gente viu, francamente, não viu muito não, nós vimos foi pelado mesmo, mas não entendemos muito de artístico, o senhor sabe, aqui a luta é p’ra sobreviver, não tem isso de artístico aqui não, aqui é na bala, na droga, no grito. Minto. Tem umas ongues que aparecem aqui, de vez em quando, e esse pessoal sempre fala que vai resgatar sei lá o quê, eles adoram resgatar, mas só fazem as crianças nossas tocar bumbo, dançar capoeira, sambar, essas coisas que ninguém precisa resgatar porque elas fazem tudo isso mesmo, o seu Fernando dos móveis bem diz que essas ongues são umas desgraças, ele odeia... Mas o povo das ongues fala em arte, artístico, essas coisas, é complicado isso.

Agora o Uóshito...

Pois o Uóshito era só mais um moleque aqui do morro, esperto, sorrateiro. Nem saber ler direito sabe, digo p’ro senhor, mas o presidente também não sabe e é presidente, não é? Pois bem. Estamos sabendo que Uóshito fez mais do que o negócio do nu artístico e entrou no ramo do cinema, é ator que nem um tal de Alexandre Rota, que por sinal parece até que já fizeram filme os dois com uma dúzia de mulheres e mais umas mulheres de pomo de Adão bem grande, o senhor sabe como é esse negócio de cinema, eu não estou dizendo nada... Ali, o que tinha de nu artístico...Deus é que sabe. E é só. O resto o senhor bote na conta da maledicência do povo, na língua ferina das comadres e no ódio das moças abandonadas, que eu vou lhe dizer com franqueza, o Uóshito largou na rua da amargura aí p’ra bem umas duas dúzias, muitas até buchudas, coitadas, essas moças são muito românticas. Deve ser por causa disso mesmo que essa tal moça morreu na mão dele, de amor e bobeira, porque de viagem grande, como saiu no jornal, digo de peito aberto p’ro senhor, duvido, ô qual viagem...