LUA DE FEL
Edison Veiga Junior
 
 

O casamento estava um fracasso e as tentativas de "tudo voltar a ser como antes", "viver uma nova lua-de-mel", "recomeçar" e outras balelas mostravam-se desastrosas e malogradas.

- Que tal irmos para Paris? - sugeriu ele, num arroubo forçado de romantismo. A Torre, o Sena, enfim...

- Nananinanão - suspirou ela, cada vez mais nojenta e pedante. Só se aproveitarmos para dar uma passadinha em Veneza, Berlim, Viena, Coimbra e Barcelona.

E foram. Egídio juntou todas as economias do último ano (é bem verdade que ambos ganhavam bem em seu escritório conjunto de advocacia - cível, familiar), tomou alguns euros emprestados, comprou as passagens via internet e, semana seguinte, lá ia o casal quarenta a bordo. Como duas serpentes, venenosas. Ester (gorda, irritantemente gorda que estava) reclamou do assento, desconfortável para a exuberância de seus 93 quilos porcamente distribuídos por 1,62 metro de corpinho. Egídio olhava e via nela um rascunho de mulher, um esboço, uma garatuja mal-acabada. E Ester suava, em bicas; não havia ar-condicionado suficiente para aplacar-lhe a fonte da fronte.

Em casa, deixaram os dois filhos, um casal. "Já sabem se virar", pensava ela. Doze e quatorze anos, iriam pousar na casa de uma tia-avó chata, não haveria problemas, imagina. "A prioridade é tentar salvar o casamento", raciocinava ele. E logo era surpreendido por aqueles pensamentos que lhe atormentavam, a impotência, a lacuna nervosa da não-realização, a frustração da vida.

- Amooor - ela chamava.

Era só ouvir essa voz de gralha rouca para Egídio compreender porque broxava.

- Que é?

- Fecha esse jornal, que está atrapalhando a minha visão...

Seria longa a viagem. Longuíssima e entediante. No caminho, ao contabilizar as perdas (muitas) e os ganhos (ínfimos), foi cravando uma agulha de ponta fina na banha soberba de Ester. Quanto mais enfiava, mais prazer sentia­ - quase tão grande quanto quando a deflorou, vinte anos atrás. E ela, anestesiada pela adiposidade somada à arrogância de não querer se virar, nada sentia. Nada. A agulha conquistava cada vez mais o corpo imenso, um centímetro, mais meio, outro centímetro, o terceiro...

Quando ela explodiu, o barulho foi parecido com o de uma bexiga estourando em festa de criança. Seus olhos, que primeiro saltaram fora, rolaram feito bolinhas de gude por entre as poltronas. Depois os dentes trincaram e as vísceras começaram a sair pelos nove orifícios naturais do corpo mais o décimo, de autoria da agulha. O cheiro forte chamou a atenção dos senhores passageiros, que ensaiaram um vômito coletivo. Suspenso, evidentemente, quando a explosão se completou e as paredes brancas do avião foram revestidas por uma camada espessa de sangue nervoso e estúpido.

Egídio sorria por dentro. E pensava que tinha se livrado do pior acordo que firmaram na vida: tê-la como advogada e, ao mesmo tempo, advogar por ela. Na audiência referente ao divórcio, óbvio.