NO BICO DA PENA
João Rodrigues
 
 

... e assim eu embarquei nessa viagem.

Não lembro precisamente o dia, só sei que era numa linda e refrescante tarde de outono quando os raios de sol batiam contra as verdes folhas das mangueiras de meu quintal, um vento suave soprava docemente meus cabelos ainda negros como as penas da graúna – hoje esbranquiçados pelos duros anos de escritora sem sucesso.

Tinha por aí meus dezesseis anos, mais ou menos, e ainda sonhava com um grande amor, como sonham as frágeis donzelas embaladas na leitura do romantismo de Alencar das belas noites cor de prata.

Lia vorazmente Romeu e Julieta. Ah, que loucura de amor! Qual a mulher que não sonha em ser amada, desejada, como foi Julieta! Pensei em todas as heroínas que pelo amor foram felizes e por ele sofreram: Julieta, Lucíola, ou Lúcia, Iracema, Marília de Dirceu, a Rita Baiana... Mas com a Rita Baiana era diferente, ela era livre, solta, alegre, que ama a quem lhe aprouver, da forma como quiser, uma realista, é verdade, mas no fundo, de toque romântico. Que o diga Jerônimo! Sim, heroína, uma verdadeira heroína.

Eu ainda não tinha encontrado a paixão de minha vida, a fantasia de minhas loucuras, de minhas noites calorentas mesmo no mais intenso inverno, quando o corpo de uma adolescente queima com o calor inapagável de uma paixão que a consome, que arde. Eu ainda esperava esse momento como Aquiles esperava a glória, sem medida. Eu queria que chegasse a qualquer custo, não importava quando, mas que chegasse.

Senti quando alguém me abraçou por trás e seu fôlego quente aquecia o meu pescoço. Corria em minha espinha uma coisa que não sei explicar, pois era a primeira vez que aquilo me ocorria. Entreguei-me por completa àquela magia. Deixei-me embalar nas correntezas do amor, nas desconhecidas águas que há tempos eu as ansiava. Como os mares bravios fui explorada, pouco a pouco, e como um marinheiro de primeira viagem eu apreciava cada movimento, cada balanço que me embalava. Despi-me feito Iracema em sua verde América ao se entregar ao seu bravo guerreiro e entreguei-me de corpo e alma ao meu desbravador, que eufórico, explorava cada centímetro de meu corpo nunca antes explorado.

O sol agora batia um pouco mais forte. Minha mãe me trouxe um copo de limonada suíça que bebi vorazmente. Meu livro caído ao chão. Não passou de um sonho. Droga, um sonho! Tão rápido como o amor de minhas heroínas.
Decidi escrever. Assim poderia viver minhas próprias heroínas. Tudo coloco no bico da pena, como dizia minha avó.

Penso, escrevo... sonho, escrevo... escrevo... escrevo...