GERAÇÃO 70
Virgínia Pinto
 
 

Depois de merecidas férias embarquei no cinema. Zuzu Angel me aguardava com a mais profunda surpresa.

Minhas filhas já me perguntaram como foi viver na ditadura. Lembranças vagas tentei repassar a elas, mas ontem finalmente entendi o porquê de tamanho lapso de memória. Cronologicamente vivi aqueles dias, mas de fato, os sublimei.

- Filha, agora que você entrou na faculdade, cuidado! Não passe na porta do C.A.(Centro Acadêmico)! Ouvi esta ordem de meu pai e nem pensei em discordar dela.

Não tinha noção do que acontecia fora dos muros de casa, e nem tinha intenção de descobrir. Tinha proteção paterna, cama quentinha, colégio bom, amigos normais, parentes longínquos obscuros e meias palavras ignoradas. A rebeldia estava fora dos nossos. Só de pensar que alguém conhecido poderia estar fazendo coisas inapropriadas, já me estremecia. Era melhor, e menos perigoso, dedicar-me a ser uma pessoa séria. Muito séria! Enquadrada como mandava o figurino daqueles dias subversivos.

Depois do filme de Zuzu entendi o medo de meus pais e a ignorância da filha deles. Para quem não viu ainda este roteiro brasileiríssimo, vale dizer que é a fotografia do tempo em que era proibido pensar e perigoso discordar. A saga dolorida da mãe de um garoto bonito, inteligente e revolucionário, que acreditou poder mudar o mundo. A busca pelo filho e depois pelo corpo do mesmo, escancara verdades seculares do instinto animal -mãe/filho- de suplantar dores, diferenças filosóficas e protagonizar valores humanos acima de dogmas e governos. Foi um desgoverno na vida daquela figurinista em franca ascensão, tracionada de uma vida bem traçada, diretamente para o obscuro da clandestinidade em que vivíamos naqueles temidos dias. Ele desapareceu em alto mar, depois de torturado e morto (segundo relatos), exatamente como especulava meu pai, acontecia com os estudantes do Mackenzie.

- A senhora é CORAJOSA! Cansou de ouvir do importante figurão da Anistia Internacional.

- Não sou, não! Corajoso foi meu filho. Eu sou inconformada com a falta de justiça e a impossibilidade de velar o corpo dele!

Minha geração se tornou alienada, politicamente correta ou em cima do muro, não sei que adjetivo dar a ela. Ao longo da vida, aprendi a me comportar adequadamente nos ambientes (penso eu) e a medir as palavras por educação ou sobrevivência e assim, pude ver e aprender o que existia fora das paredes de minha vida.

Novos tempos. Adultos produtivos e globalizados. E continuamos a não falar muito, por que não aprendemos como expressar a liberdade com responsabilidade, embora a desejemos. Um novo caminho deve resgatar a verdadeira essência do homem, para mantê-lo vivo, mesmo que em algum lugar do passado tenha perdido o rumo e a necessidade humana, intrínseca, de mudar o mundo.

 
 

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