UMA HISTÓRIA DE AMOR
Sonia Regina Rocha Rodrigues

- Nunca mais irei a um baile! - decidi, naquela luminosa tarde de sábado, indo esconder à sombra das primaveras a dor de ser o patinho feio da turma, o desespero por mais um chá de cadeira, por mais um fim de semana solitário.

Aos dezoito anos a vida é dramática, o mundo adquire ares de tragédia e eu pintava minha desgraça pessoal com as negras cores da amargura. Dezoito anos e sem nenhuma esperança ...

Eu que sonhara tanto com o amor ...

Não acreditava mais no espelho, que me mentia bonita, desesperava - me com a zombaria das amigas a ironizar as minhas curvas certinhas. Eu estava prestes a esvair - me em prantos, quando escutei a voz de Julinho, do outro lado do muro.

Julinho, minha grande paixão! Julinho, que só tinha olhos para minha amiga Laura. Julinho, que era o ar que eu respirava, o sol que me iluminava, a esperança que me nutria desde criança e no entanto iam se escoando dias, semanas, meses, anos...para ele eu era apenas certamente a vizinha, uma quase irmã.

Meu orgulho secou - me as lágrimas. Ele não me ouviria chorar.

- Isabel estava tão linda! - ele exclamou.

- Por que você não a tirou para dançar ? - perguntou - lhe o amigo.

- Não tive coragem. Eu morreria de vergonha se ela recusasse o convite. Fiquei conversando com a Laura, mas era só um pretexto para ficar perto da Isabel. Você também não dançou com ela.

- Eu não. Ela é muito orgulhosa. Nunca dança com ninguém.

Oh, pensei, como vou dançar com alguém se ninguém me convida ?

- Ela deve pensar que não há nenhum rapaz em Santos digno dela. Tão bonita ...

Surpresa, colei - me ao muro para não perder palavra da conversa.

- Beleza não é tudo. Veja eu com a Dirce. Eu sonhava com a Virgília, a irmã dela, que não me dava a mínima. Aí eu ficava por ali, conversando com a Dirce e fui percebendo o quanto ela é gentil, o quanto os seus gostos são semelhantes aos meus e curei - me da minha paixão por Virgília. A Dirce é um encanto. E você, por que não namora a Laura ? Ela é tão atenciosa com você, tão boazinha...

_ Quem sabe ? A Laura até que é bonitinha . - respondeu Julinho.

Fiquei a pensar. O momento pedia decisão. Eu precisava convidar o Julinho para sair comigo. Se ele não tinha a coragem de tomar a iniciativa, eu precisava tomá - la. Só de pensar nisso, esfriei. Minhas mãos umedeceram. Minha garganta secou. Meu coração bateu tão forte e meu rosto ficou tão quente... Senti - me tonta, mal conseguindo enxergar o caminho à minha frente. E se fosse assim que ele se sentia ao aproximar - se de mim ? Eu levava uma vantagem sobre ele - ouvira - o dizer que queria dançar comigo ...

Pequenina e envergonhada, encolhi - me na varanda, assustada ante a enormidade do passo que resolvera dar. Aos dezoito anos uma garota sem namorado sente - se condenada à horrível sorte de solteirona destino este pior que a morte, e a perspectiva de tão medonho futuro amparou - me em minha audácia.

- Julinho! Venha cá! - “sorria, menina, desfaça este ar sério” - Quero conversar com você!

Nem levantei - me da cadeira, tão trêmula eu estava, e continuei, com falsa naturalidade, de supetão, antes que o raciocínio me solapasse a ousadia.

- Você não gostaria de ir comigo ao cinema ?

E então eu não sei mais o que disse ou fiz. Ele me contou que precisou repetir tres vezes a mesma pergunta antes que eu respondesse:

- Às sete horas está bom para você ?

- Claro, está perfeito.

Passei o resto daquela angustiosa tarde com cólicas. Não conseguia concentrar - me em coisa alguma. Uma agonia. Esvaziei meu guarde - roupa sem poder decidir o que usar. Em cima da hora vesti qualquer coisa, empoei o rosto de qualquer jeito, desisti do batom porque minha mão tremia tanto que eu borraria os lábios. Afinal, eu aprendera, no meu colégio de freiras só para moças de boa família, que uma mulher deve ser recatada e jamais, jamais tomar a iniciativa, e eu infligira as regras...

Julinho estava tão calado quanto eu. Mal nos olhávamos. Se ele se sentisse tão tímido quanto eu... se ele sentisse um mal estar tão grande como o meu...Talvez ele não ousasse pegar na minha mão não querendo que eu o considerasse um atrevido. E eu não pegaria na mão dele porque ele poderia pensar que eu era uma garota fácil.

Naquela época uma garota fácil não arrumava casamento e ganhava fama de oferecida, sem - vergonha, prostituta.

“Ninguém vai saber - pensei - e ele não vai dizer por aí que recusou pegar na minha mão.”

Avancei o pedaço de gelo que estava na ponta de meu braço e encontrei uma mão de estátua.

Doía - me o peito, pois eu esquecia de respirar.

Ele retirou a mão e eu desejei morrer de vergonha. Ele me julgara fácil ! Eu ia ficar falada na cidade inteira e nunca mais arrumaria um pretendente!

Senti o braço dele apoiar - se em meus ombros e meus olhos ficaram úmidos de alívio, de susto, de esperança.

Aquele foi o dia mais horrível de minha vida.

Hoje tenho quarenta anos e rio - me dos meus temores de mocinha. Eu me julgava feia, sendo uma das moças mais bonitas do bairro. Sentia - me desprezada e era uma das dez mais do clube.

Os costumes eram severos, a sociedade era outra, outro o modo de pensar.

Olho para o meu marido, meu primeiro e único namorado, e penso: se eu não tivesse surpreendido aquela conversa atrás do muro, é bem possível que ele fosse hoje o marido de minha amiga Laura e eu apenas uma recordação de sua mocidade...
 
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