A FLORESTA DOS ESQUECIDOS
Mauro Darcy Spinato
 
 

No extremo sul do Brasil existe uma terra de planícies sem fim, onde é possível andar dias sem encontrar uma viva alma. Os fazendeiros dessa região, não raro, desconhecem os limites de suas propriedades, tal é a imensidão daqueles desertos verdes.

Pela posição da lua minguante e das estrelas, Taurino deduzia passar duas ou três horas da meia noite. Estava caminhando a mais de doze horas, tendo visto o último ser vivo pela meia tarde. Trabalhador de estâncias, domador de potros ariscos, não tinha paradeiro certo. Andava de fazenda em fazenda pleiteando serviço, pouso e comida. Acostumou-se atravessar as planícies de madrugada, quando a temperatura era mais amena. Os olhos estavam treinados na escuridão e mesmo em noites sem lua apenas a presença das estrelas garantia a luminosidade mínima para Taurino. Ao longe, numa depressão que imitava um pequeno vale, os olhos de Taurino vislumbraram uma tímida luminosidade. Parecia uma estrela caída na terra. Imaginando tratar-se de uma casa, dirigiu-se ao local. Um repouso àquela hora seria bem-vindo. No entanto, aproximando-se, constatou que a luz não provinha de uma lâmpada. Era branca, muito forte, mas não agredia os olhos. Vinha de um objeto, que ainda não conseguia definir a forma, cravado no solo. À medida que se aproximava sentia o terreno irregular transformando-se num tapete macio, coberto por uma espécie de musgo verde e aveludado. Taurino já estava próximo, mais ou menos uns vinte metros, mas ainda não conseguia definir o objeto de onde emanava tal luminosidade. Entre ele e o objeto havia uma pequena e estranha floresta de troncos disformes totalmente cobertos com o mesmo tapete verde que pisava. A direção contraria da luz transformava-os em criaturas fantasmagóricas, escuras e desesperadas. Taurino, que não era de sentir medo, sentiu um arrepio subir a espinha. Desviando, um a um, os fantasmas negros, finalmente conseguiu visualizar o local de onde vinha a estranha luz. Um grande disco, que na compreensão de Taurino devia ser de vidro ou cristal, aparecia pela metade emanando uma energia branca e leitosa, quase palpável. Nos muitos anos de vida, já havia visto muita coisa e escutado muitos “causos” mas nenhum era parecido com isto. – “ Será que isso são os tais marcianos?” - Depois de um momento de perplexidade, tomou coragem e tentou se aproximar, porém não conseguiu se mover. Espantado, Taurino viu seus pés cobertos pelo musgo verde e agora, brilhante. Por mais força que fizesse, não conseguiu mover um milímetro sequer. A massa verde subia silenciosa, alcançando os tornozelos. Ele sentiu seus ossos sendo penetrados e a vida e a sensibilidade que existia neles esvaindo-se rapidamente. O pânico tomou conta de Taurino; começou debater-se, urrar, gritar desesperado, sentindo sua vida petrificar-se centímetro a centímetro. Num último estertor olhou para trás e reconheceu na floresta de troncos outros que por ali passaram e ali ficaram, esquecidos. Outros que não tinham nada e nem ninguém para sentir-lhes a falta.