ENQUANTO O TELEFONE NÃO TOCA
Andrea Natali
 
 

Faz três horas que estou plantada do lado do telefone, esperando uma ligação. Nada! Não agüento mais essa angústia. Saí do aeroporto exatamente no momento em que ele embarcou. Até Buenos Aires, são duas horas de vôo. Calculei que dentro de três ou quatro horas ele me ligaria pra dizer que havia chegado bem.

Eu morro de medo de avião. Quer dizer, não é um transporte que eu goste muito, sei quais são suas vantagens, mas depois dos acidentes com aviões que vêm ocorrendo no mundo, eu fico imaginando o pior! O Cláudio vive me atazanando, fala que eu sou daquelas mulheres neuróticas e faz aquela brincadeira sarcástica. “Clarinha, a gente ainda morre bem abraçadinho num desastre de avião”. Credo!

O Cláudio, meu marido, foi para uma conferência em Buenos Aires. A empresa me deu folga. Trabalhamos juntos, mas não no mesmo setor. Quando começamos a namorar, a notícia se espalhou feito vento. Meu Deus, mas que povo fofoqueiro! Parece que todo mundo quer uma boquinha no programa do Leão Lobo. E sabe quem foi? O veadinho da firma. Não! Eu não tenho nada contra gays, mas esse arrastava um bonde pro Cláudio. O filho-da-mãe mora pertinho da minha casa e outro dia nos viu jantando num restaurante daqui do bairro. Nós não o vimos. Ele, muito esperto, não veio nos cumprimentar. Conclusão: no dia seguinte, a empresa inteira sabia onde jantamos, o que comemos, com quais roupas estávamos e até que horas ficamos lá.

E assim foi. Assumimos nosso romance, já estamos juntos a três anos e moramos sob o mesmo teto há seis. Não casamos como manda o figurino. Bem que eu queria, mas estávamos tão apertado de grana, que foi só no civil mesmo! Sei que esse detalhe não interessa muito pra você, mas eu preciso me abrir, preciso falar, porque estou nervosa. Ou melhor, estou irrequieta.

Ah, mas o que eu estava contando mesmo?... Ah, lembrei! Os fofoqueiros. Então, quem espalhou a história do nosso romance foi o veadinho, o Herbet. Aliás, veado é muito fofoqueiro. Conheci alguns nos últimos tempos. Eles sabem de TUDO o que se passa com as pessoas. Fora o olho clínico pescando tudo o que paira no ar! Minhas amigas também constataram isso. São pessoas maravilhosas, mas quando querem abalar, ninguém segura. Gays adoram uma notícia novinha em folha, principalmente se refere à vida alheia.

Estou aqui com você, mas o telefone não toca. Meu Deus! Sem notícias! Estou ficando preocupada! Conferi as condições de vôo dos aeroportos, é claro! Não podia deixar o Cláudio sair sem que eu soubesse como estaria o tempo nas próximas horas em São Paulo e em Buenos Aires. Pensa comigo: saí do aeroporto assim que teve a última chamada para o vôo dele, o tempo aqui estava bom e a televisão disse que na Argentina também estava, não havia nenhuma frente fria pra estragar o vôo. Podemos concluir que a viagem transcorreu bem. Pelo que me lembro, a distância do aeroporto até o hotel é curta, por isso, ele já deveria ter feito o check-in, dado a gorjeta para o camareiro e estar deitado na cama para me ligar e tranqüilizar.

Uma vez, há uns dois meses, o Cláudio foi para uma conferência em Washington e resolveu sacanear comigo. Ele ficou um dia inteiro sem me ligar. Ai que ódio! Passei uma vergonha na companhia área. Liguei aqui em São Paulo, nos Estados Unidos, e o filho-da-mãe se divertindo às minhas custas. Quase tive um treco. Só dormi com calmante. O maracujá nem fazia efeito mais. No dia seguinte que chegou, o telefone toca e ela na maior cara-de-pau: “amorzinho, lindo, que saudade”.

Ai meu Deus! O telefone!!!!

...

Que droga! Era a vizinha, dizendo que os produtos que eu encomendei chegaram, que eu preciso passar lá para pegar. Ninguém tem noção de ligar numa hora tão imprópria como esta? Se bem que ninguém tem obrigação de saber... Mas eu queria era filtrar todas as ligações e fazer tocar só quando o Cláudio ligasse. Seria maravilhoso!

Acho que vou fazer a última coisa que me resta: comer; assim não encho mais a sua paciência. Tem uma caixa de chocolate suíço que o Clau ganhou de um cliente. Vou detonar! Sentar na frente da televisão e comer. Aliás, as duas coisas que as mulheres mais buscam é alguém pra conversar e uma caixa de chocolate, porque com qualquer uma dessas duas, a gente descarrega toda a energia ruim. Não é? Ai, o telefone...