RECADO DA BORBOLETA
Maria Luísa Rocha
 
 

Duque entrou na família de Dirce, trazido por Ângela, uma amiga da faculdade. Era um filhotinho branco, peludo, cheio de pulgas e carrapatos, e bastante magrinho. Havia sido desmamado antes da hora, porque sua mãe fora morta a pedradas pelos meninos de uma favela. Uma pessoa caridosa pegou os três irmãozinhos órfãos e encaminhou-os para adoção. Ângela ficou com um, mas logo mudou de idéia e quis se desfazer do filhote. Lembrou-se de Dirce e fez-lhe a proposta de ficar com o bichinho, que foi prontamente aceito por todos com alegria. Duque cresceu rapidamente e transformou-se em um belo cão, forte e bravo; tomava conta da casa e alegrava a família, brincando com disposição e esperteza com bola e balões.

Os anos passaram-se. Aos dezesseis anos, Duque começou a mancar e foi diagnosticada uma distrofia coxofemoral irreversível. Alguns veterinários aconselharam o sacrifício, mas Dirce se recusou terminantemente a isto e resolveu enfrentar a doença de seu querido amigo, ou melhor, de seu filho - como dizia orgulhosa - sem se intimidar com risinhos de deboche de alguns conhecidos.

Os seis meses seguintes à notícia da doença foram indescritíveis. Duque foi enfraquecendo, sua saúde se debilitava com rapidez e ele passou a não andar mais. Precisava de um carrinho para ficar um pouco em pé, tomando sol. E ficava a maior parte do tempo deitado num colchão de água, quase sem forças. Duque não queria ir embora, continuava a comer e a beber, lutando como um guerreiro pela vida. Dirce abandonou tudo e todos e se dedicou totalmente ao cão, carregando-o, tratando de suas feridas, alimentando-o e chorando lágrimas de sangue, tal era a dor em seu coração. Rezava pra São Francisco dia e noite, pedindo o fim do sofrimento do seu animal.

Sua filha mais nova, Laurinha, também não se conformava. Chorava pelos cantos e se desesperava; pegava o cãozinho enfraquecido nos braços fortes e o levava para tomar ar fresco em seu colo, enquanto o afagava e o consolava. Ela costumava sentar-se com ele em um degrau que ficava na entrada de seu quarto, localizado fora do apartamento, na área externa. Ali os dois permaneciam em silêncio, todos os dias, por longos períodos, ouvindo as folhas embaladas pelo vento e o voar de passarinhos.

Chegou o ano novo e Laurinha viajou com amigos para a Bahia. Dirce aconselhou com insistência a filha: precisava descansar alguns dias da peleja com a doença. Laurinha foi contrariadíssima e se despediu de Duque dizendo que voltaria logo.

Uma semana depois, Duque partiu. Seu último suspiro Dirce acompanhou com a alma despedaçada. E no dia seguinte providenciou seu enterro em um lindo jardim, cheio de flores lilazes e com um pé de mamão carregado de frutos. Ali Duque repousaria para sempre, em paz.

Laurinha voltou da praia arrasada. Não se conformava de não ter estado presente na despedida de seu melhor amigo, de seu irmãozinho amado. Lamentava-se e se desesperava, cheia de culpas. Dirce tentou consolar a menina, mas sua dor não se atenuava com nenhum argumento.

Os meses se passaram, a casa e a família continuavam tristes, um vazio percorria todos os cantos...

Uma tarde, às seis horas, o sino da igreja começou a tocar e Laurinha sentou-se novamente no degrau onde costumava ficar com Duque no colo. E pediu pra ele mandar algum recado, qualquer notícia, queria tanto saber se ele estava bem, se tinha perdoado sua ausência no final da vida... As lágrimas escorriam pelo seu rosto e a emoção não cabia em seu peito ainda tão doído.

De repente, uma linda borboleta branca, maravilhosamente e divinamente branca, qual um anjo iluminado, surgiu perto das flores que ali floresciam e com terna suavidade foi se aproximando e pousou no ombro de Laurinha.