BREVE NOTÍCIA DE MAGNÓLIA
Teresa Maria de Magalhães Araújo
 
 

Magnólia nasceu velha. A noite escura e chuvosa camuflou o susto da família que esperava o choro do bebê. Ventava muito. Ninguém nada não dizia com som de voz. O pensamento boiava obscuro. A mãe, renitente, olhava as mãozinhas trincadas, os lábios desenhando o formato côncavo da boca, o narizinho afilado e adunco, perdido entre rugas. O nome de flor – Magnólia -era uma aragem de esperança de que a garotinha florescesse vistosa e perfumada, nem que pelo ligeiro tempo das plantas. Pois. A amarfanhez da pele logo se dissolveu. Desencrespou primeiro o rosto, onde salientavam as bochechas rosadas e os olhos muito redondos, trigosos. Rejuvenescia à medida em que medrava.

A casa em que moravam era simples e ampla. Arejada. O mobiliário rústico de madeira escura, a louça branca, as toalhas muito claras e engomadas quebravam a austeridade do ambiente. Localizada no Arraial da Conceição, lugarejo remansado, onde mero trinado de passarinho era o bastante para quebrar a monotonia. A notícia do nascimento de Magnólia se espalhou velozmente. As primeiras visitas foram atraídas pela insólita novidade: o bebê velhusco. Os que vieram depois, pasmaram-se com o frescor de sua pele, e atribuíam ao zelo materno o rejuvenescer da criança. Era extremosa a dona Leda. Rica em minúcias, esmerava-se nos detalhes. E o perfume? O espaço foi dominado por uma fragrância suave e agradável, que atravessava as janelas e alcançava a rua. Ganhou fama.

O pai percebeu a mudança na casa. A menina exigia outros cuidados e achegos da mãe. Magnólia, a filha, a primeira , nascida depois de João, trazia outras doçuras no seu coração.E aquele aroma que entontecia. Pedro, o pai, não sabia dizer, mas a mulher traz sentimentos novos à paternidade e à junção da família. O tempo da filha era pra ser diferenciado. Os meninos, os filhos homens são jogados pro mundo e sabem das lutas e defesas, dos trabalhos; pelo menos era esse o destino que acalentava para o João, nos seus 4 anos de traquinagens e folias que aprontava pelo quintal da casa. O pai serve de espelho pro filho. No caso da filha, é a mãe que vai dar essa parecença, esse desenho de construir a sua criancice e mocidade, o futuro, enfim.

Era a vez das felicidades. Quando a Lua rebrilhava no quintal, o verde ondeava ao vento e levava os perfumes, sobrevoava a horta e pasto e campo e o rocio da madrugada. A noite, se fazendo dia, esparramava o júbilo da casa. A alegria e os matizes aromáticos. A família rememorava antigos pais passados que partiram. A herdade ficou no sangue e no correr da língua da trisneta. Assim foi. Magnólia vicejou cheirosa e falante. Trazia do fundo do íntimo o legado da trisavó. Solfejava no campanário do tempo.

- Havéra de ser assim, ruminava a mãe com seus botões, quando um friinho fino trouxe do ontem o perfume doce da avó.

Mas não ficou bem desse modo e jeito. Magnólia, nem passados quatro meses, voltou à vetustez. A pele, de formosa e lisa, engruvinhou-se novamente e a sua mão ficou rugosa e fechada. Os pés pareciam um jenipapo amadurecido e redondo. A notícia correu o povoado aos quatro cantos. Desde parteiras, benzedeiras, rezadores, raizeiros, passando pelo prático da farmácia, todos entraram em polvorosa excitação, afundando no medo de que o mal jamais seria debelado. A mãe, devota de todos os santos, fez um punhado de promessas e, todas as tardes, abria a porta da casa para a reza do terço. Nas manhãs, a rotina da casa mudou: a mãe saia com Magnólia pras benzeções diárias. Primeiro a Don’Ana, na mesma rua, 100 metros abaixo; depois pela Margarida, preta velha quase centenária; depois o velho Aprígio, rezador, benzedor, balaieiro. Em todos colhia as mesmas rezas, as mesmas bênçãos, os mesmos pedidos, as mesmas unções dos enfermos. Pois Magnólia, não tinha dúvida a mãe, padecia de uma enfermidade sem nome, que ela enxergava ser “velhice precoce”, tal o estado do rosto, da pele do corpo. No fundo, imaginava que essa doença fosse de morte, sem chance de recuperação nenhuma.

O certo é que a notícia da moléstia correu mundo – e lá uma tarde de domingo, com as mulheres se preparando para a reza, chega na casa um rapaz bem apessoado que se apresenta como médico da capital e quer fazer uma visita pra conhecer a filha doente. Disse que foi indicado pelo dr. Nico Perestrelo, fazendeiro no local, e que vinha ajudado pelo seu João Gualberto, seu administrador. Passara o dia na Fazenda e, sabedor da notícia, quis ver o sucedido, pois se interessava por crianças, e queria fazer especialização em puericultura.

Foi um ô geral na sala de entrada. Leda pediu licença pras amigas, de terço nas mãos, e embarafustou-se casa adentro, levando o moço médico pra ver Magnólia.

Dez anos depois

O jornal de Arraial da Conceição, na sua edição mensal de agosto de 1960, traz na primeira página a notícia sobre o caso raro de velhice precoce, detectado em Magnólia de Souza e Silva, nos anos 50, foi finalmente resolvido. Escreve o redator:

 

MÉDICO FAZ CURA DE INSIDIOSA DOENÇA E RECEBE CONVITES PARA PALESTRA NA EUROPA

Pela mãos do dr. Adalberto Vieira Souto a ciência operou verdadeiro milagre na menina Magnólia de Souza e Silva, residente em nossa cidade.

A garota, hoje com 11 anos de idade, goza de perfeita saúde, além da esbeltez e encanto jovial, graças à determinação de um médico jovem e ilustre médico.

Durante sete anos, o jovem doutor mergulhou em pesquisas, que principiaram no mapeamento do cérebro da menina e de seus familiares. Depois de muita observação, percebeu que, ao estar feliz, ela emanava fragrâncias de natureza curativa. Todos os familiares e conhecidos que estiveram próximos da garota foram ajudados pela sua mágica. Dr Adalberto Vieira Souto conseguiu reverter o benefício em favor de Magnólia, usando para isso avançados estudos desenvolvidos na Alemanha e Estados Unidos.

Em declaração ao nosso jornal, o Dr. Adalberto nos afiançou que a sua descoberta foi notícia nos jornais alemães e que em razão da divulgação da cura recebeu diversos convites para dar palestras sobre a doença em universidades alemãs. Segundo o médico e cientista, que é casado com a filha do dr. Nico Perestrelo, a doença é muito comum nos países africanos. Parabenizamos o ilustre médico e cientista pela descoberta e pela obra humanitária que operou em filha de nossa cidade. Que Deus lhe pague!

 

* Conto escrito em parceria com Paulo Celso Puciareli

 
 
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