A MANCHETE DO JORNAL
Zeca São Bernardo
 
 

Caminhava o velho Vitório tranqüilamente pelas ruas de Mauá...olhos atentos á tudo, volvia a cabeça procurando acompanhar o movimento frenético dos carros que iam e viam. Num vai e vem infinito, como o do dia que sucede a noite, pensou.

Trajava o terno desbotado do dia de sua partida- de fato, quem o pudesse ver não saberia definir a cor- talvez ocre, talvez dum marrom cujo tom perdeu-se nos usos e costumes de outra época. Na carteira, um ou dois tostões. Seguia apoiando-se em sua bengala cujo cabo tinha algo entalhado em marfim que lembrava a cabeça de um cavalo. Pouco preocupava-se se alguém o via ou, ainda, o com o que pensaria algum passante...tinha pouco tempo e queria fazer dele o melhor uso possível.

Lembrou-se de seus primeiros dias nesta terra, da despedida triste do nono e da nona feita em sua velha Itália, da chegada do navio no caís de Santos. A mistura de cheiros e odores daquele dia no caís o perseguiu quase por uma vida inteira.

- Salvatore...murmurou. Sim, fora o velho Salvatore que os procurara na Casa do Imigrante após o desencontro no dia da chegada e os levara para sua casa. Uma pequena casa, pouco mais que um chalé, a beira da estrada de ferro, na altura do Pilar.

- Minha mãe achou que estávamos voltando ao caís, que iríamos voltar a nossa Itália!- gritou alto para o vento. Como esperando que este lhe responde-se algo. Não houve resposta alguma, seguiu seu caminho.

Percorrendo ruas, avenidas, admirado com a grandeza da cidade que viu- praticamente- nascer.

- Aqui tinha só mato, ali era a bodega do Juvenal...Juvenal, que terá sido feito dele? - inquiriu a si mesmo.

- Quanta gente na rua...esse povo parece estar com muita pressa, até parece que tem uma cidade á construir. Não vêem que a cidade já está pronta?- riu-se depois, com a falta de sutileza de suas palavras, sabia que a cidade do amanhã nunca estaria pronta. E, sim, em eterna construção. Pois viriam problemas, alguns iguais aos de ontem, outros complemente novos e carentes de soluções.

Vitório quase não reconheceu nenhum lugar por onde passou, só da posição da linha do trem tinha certeza absoluta. Aquela cidade, com arranhas céus surgindo, com asfalto estendido em todas as direções, quase sem verde, sem cavalos e repleta de carros e de gentes vindas de todas as partes. De todos os sotaques, traços, crenças não podia ser a mesma cidade na qual assentou sua família e fez do oficio trazido do outro lado do mundo- o de fazer louça e boa louça, porcelana fina e útil- seu ganha pão.

Olhou ao derredor repetidas vezes, apertou os olhos em todas asa direções que a vista alcança a procura de algo familiar. Encontrou, a velha paineira que virá ser plantada e crescer. Caminhou em sua direção com passos lentos, mas firmes, decididos. Atravessou a rua xingando o carro que quase o atropelou, como se realmente pudesse fazer-lhe algum mal, e sentou-se na mureta que rodeia a velha árvore.

A sombra da paineira, cantou uma velha canção de sua terra até que sua voz foi sumindo, sumindo...dando lugar a um assobio suave- que alguém que por ali passa-se e ouvi-se diria tratar-se do lamento da velha árvore, chorando de saudades de um tempo que não volta mais- esperava o pôr-do-sol para ir embora.

Um passante sentou-se á seu lado e, assim, meio que distraído deixou sobre a mureta um jornal do dia que o velho Vitorio deu uma passada d’olhos e surpreendeu-se logo com a manchete: “Prefeito inaugura a rua Vitorio C, em homenagem ao antigo proprietário da fábrica de porcelanas que leva o nome da família tradicional e que muito colaborou por décadas com o desenvolvimento da cidade...hoje fechada”.

Sim, pensou o velho Vitorio, a fábrica fechara há anos. Mesmo assim, quando tinha a chance de dar uma escapadinha lá do céu, teimava em procurá- la.