TRANSPARÊNCIAS
Pedro Brasil Junior
 
 
Minha fotografia estampada nos vidros da janela.
Um autêntico outdoor propagando pura e simplesmente a minha existência.
Um desses fotogramas que raramente a gente percebe mas que por inúmeras ocasiões se deixou mostrar, ainda que em frações de segundos.
Uma fotografia sem fotógrafo, sem negativo, sem papel. Um slide criado pela sutileza de um instante de descuido, quando a atenção, tão voltada para as atribulações do mundo, rende-se ao reflexo dos vidros tal qual um caleidoscópio, onde a vida nada mais é do que um conjunto de fragmentos multicores que definem figuras complexas, desenhadas por uma artista chamada razão.
E me pego aqui , no mundo exterior, observando o meu mundo lá dentro. É certo que a decoração do ambiente precisa de uns reparos. Talvez os mesmos que se fazem urgentes aqui fora.
Dois mundos distintos separados pela janela!
E a janela?
Um mundo completamente à parte pois, janelas são os portais que demarcam nossa vida em meio à própria vida.
Janelas pequenas ou com balcões, onde se pode recostar os braços e ficar pensando na vida.
Janelas com vitrôs complicados, quase um mosaico de ferro e vidro. Um quebra-cabeças praticamente sem fim...
Violetas em cachepós adornam outras tantas janelas que nada mais são do que o frêmito da existência de tantas paixões.
Enfim; janelas são poesias sem formas, sem versos, sem pontuação de regra.
Janelas da alma que palpitam os corações no galope das emoções mais singelas, das paixões mais ardentes, das lágrimas que escorrem lentamente nos dias de chuva.
Janelas que são prismas de todas as cores quando o sol surge no horizonte para semear energia de vida.
Janelas para o mundo que criamos à nossa volta e que nos surpreendem pelo espetáculo que se exibe lá fora, sem canais, sem antenas, sem controles remotos. Janelas que apresentam sim, a vida como ela é. Lá fora ou aqui dentro!...
Minha vida é uma passagem, por uma cidade sem portas mas repleta de janelas que são olhares azulados, esverdeados, castanhos e negros como a escuridão que lá fora fica e de onde, à noite, as luzes fazem sua dança através dos vidros, desenhando um mundo misterioso que resguarda o trabalho de muitos, as reuniões de família num daqueles saborosos jantares, gente que estuda e pesquisa, gente que se deixa levar pelas sensações do prazer e muitos, que orquestram como eu, uma música complexa, onde as palavras criam sua própria partitura para definir um texto qualquer diante dessa janela chamada monitor.
E as horas cruzam as barreiras do silêncio, provocadas pelo ladrar dos cães ou pelas sirenes que singram a madrugada.
E lá, em algum lugar, numa janela qualquer, alguém desafia o frescor da noite para olhar o vazio afinal, lá, naquela janela perdida pela imensidão da floresta de pedras, a solidão atiça os anseios, os desejos e a esperança.
E fecha-se agora, mais uma, entre tantas janelas, que registram por certo, aquele fotograma de frações de segundos que infelizmente, a maioria das pessoas não percebem afinal, amanhã é um dia novo, e esses painéis humanos estarão circulando pelo mundo, propagando suas necessidades em meio ao turbilhão que compete desenfreadamente por um lugar melhor.
E eu, aqui e agora, tampo meu caleidoscópio.
Amanhã, quero sorrir em meu outdoor e deixar escrito que nada, absolutamente nada neste mundo, vale mais do que viver em pura e simples transparência, assim como qualquer janela que se preze.
 
 
fale com o autor