ONDE ANDA MEU PAÍS?
Alberto Carmo
 
 

Tem horas em que me sinto um estrangeiro no meu país. A cada dia, após ler o jornal e esbravejar aos quatro ventos, depois de lambiscar uns programas aqui e ali na TV, ou durante uma vista d’olhos em alguma das revistas mais lidas, queimo todas as penugens nasais, que aparecem depois de certa idade, com um jato de fumaça vulcânica que me sai pelas ventas.

Não, não estou falando do governo atual – são e sempre foram todos imprestáveis. Falo do que aconteceu com a gente deste país, com o povo, povão, povinho, povaço, povíssimo; classes de A a Z.

Exemplos não faltam. A começar pelo surto castrador de neurônios do Big Brother. Diariamente, no jornal, comentaristas intelectualmente corruptos erguem loas ao lixo – há uns alienígenas que “pagam pra ver”, o tal pay-per-view pelo suicídio mental. E, pior ainda, é receber pedradas dos leitores, telespectadores do tal formato – melhor seria chamá-los de vítimas - que sentem sua inteligência (sic) televisiva ofendida. Diante de tal povo, o que será que será? - como diria Chico Buarque. Queria saber o que o Chico, que é muito mais respeitável que eu, acha de quem assiste a tamanha porcaria imaginando-se impune. Ah, a insensatez que você fez...

Vamos em frente. Os respeitáveis editoriais dos jornais, sisudos, formais e pretensamente ciosos, protetores do bem do país, declamam ideais de comportamento às instituições e empresas, e ao mesmo tempo recheiam o faturamento com anúncios das mesmas empresas que fazem o que criticam tão veementemente. Criticam o endividamento dos idosos, fomentado pela “mídia”, e publicam, quiçá na mesma edição, propaganda do novo tipo de empréstimo que os bancos ofertam, bondosamente, entre aspas, aos incautos aposentados. Cadê a coerência de conduta? Business is business?

Mais além, como diria Mário Lago, vemos as listas dos livros mais vendidos, que servem de indicador de leitura aos sem-imaginação e com preguiça de vasculhar sebos. Posteriormente, cronistas e articulistas dos mesmos que publicam as listas chicoteiam a burrice do povo por ler o que o patrão deles mesmos indicou. É bonito isso? Onde andará Lilico? E ainda tenho que ouvir amigo a dizer que adorou a recente releitura do Código da Vinci. O que fazer? Dar um tapa na testa do cara? Xingar a mãe dele por não lhe ter dado um Monteiro Lobato na tenra infância? Nem vamos comentar o tal coelho que não é o da Páscoa.

Doença moderna, o pernicioso marketing virou religião mundial. Falou tá falado, não tem discussão! A mania de achar que tudo o que for publicado, falado, alardeado nos meios de comunicação, é verdade absoluta e inquestionável. A curiosidade explorada, o mau-gosto universalizado, todos comprando, comendo, ouvindo, pensando e defecando as mesmas coisas. É economicamente viável, reduz os custos, iguala todos por baixo, no mais barato para os produtores. O marketing global destrói folclores, substitui Cosme e Damião por Halloween, a loja e o empório do quarteirão pelos “Shopis Center”, o respeito à personalidade de cada vizinho pelo culto à mesmificação das multidões aglomeradas em pouco espaço. Gente sem cara, sem imaginação, sem sonhos pessoais. Tudo se transforma num sucesso de vendas e todos compram os mesmos brinquedos.

A personalidade que identifica, que destaca a genialidade de cada pessoa, que aduba a inteligência e a criatividade, que ensina a escolher, virou jóia rara. Já a mesmificação universal e passivamente aceita nivela todos como seres amorfos, inodoros, invisíveis. Gente que não raciocina, que não consegue mais escolher e topa o que lhe enfiarem goela abaixo em propagandas coloridas e de imagens tão rápidas que o pobre coitado nem tem tempo de pensar; apenas registra e consome. Ótimo para os negócios; mortal para o ser humano. É feio, muito feio e, beleza é fundamental, como diria o poetinha que bem soube viver.

A instituição da malandragem como forma de bem viver, de faturar algum, talvez seja o maior engodo que entope a mente dos pobres de espírito. Nunca vi tanta gente malandra como nestes tempos. É malandro de todo lado, tirando vantagem de tudo que puder – até da mãe! E não estou falando dos políticos, mas das pessoas ditas normais. E vem o Chico novamente: - Agora já não é normal o que dá de malandro regular, profissional...

Esse povo não é o meu povo, esse país não é o meu país. Esse não é o meu sonho. O que fazer? Mudar de país? Jamais!

Mas, olhando bem, via Hubble, percebo que vem vindo uma galera diferente, de bom gosto, questionadora, buscadora, de boa vontade. Jovens que vão beber nas fontes do Noel, que ouvem Chico, Tom e Vinícius. Moleques cavalheiros que nem perdem tempo a ver futebol, e preferem fazer uma canção que ilumine a garota amada. Carinhas que sobem em árvores e desbravam cachoeiras na mata ao invés de marcar bobeira andando no mesmo lugar em academias. Garotas que brigam com devastadores e se emocionam ao salvar um bicho-preguiça na floresta. Meninas que se transformam em professoras generosas e ajudam os colegas a aprender mais, e trabalham para realizar seus sonhos de amor. Jovens que vislumbram na simplicidade de viver e no talento verdadeiro conquistado com esforço pessoal, na cultura do bom gosto, na lealdade dos ideais e do caráter, o caminho para transformarem nosso planeta no mundo que todos nós sonhamos. Jovens abençoados, que enxergam bem além dos outdoors, que são inteligentemente felizes, e maravilhosamente bonitos.

Este é o meu Brasil!