UMA ESTRANGEIRA EM SANTO ANJO
Andrea Natali
 
 

Cheguei naquela cidade como se tivessem me atirado de pára-quedas. Depois de todas as decepções na capital, sem família, sem apoio e sem amigos, resolvi largar tudo e me mudar para onde jamais vi um único rosto. Eu era como uma estrangeira. Não conhecia nada, nem ninguém e até com o modo de falar das pessoas, eu me sentia um peixe fora d’água.

É claro que aquela mudança fazia parte de um projeto de vida. Mas a sensação de ser forasteira era mais forte do que eu havia programado, e, muitas vezes, me aterrorizava. As pessoas têm curiosidade, porém, se afastam. Eu me sentia na Rússia, sem saber falar uma só palavra de inglês ou qualquer outra língua para me comunicar.

Aos poucos fui ajeitando minha vida. Arrumei um emprego, aluguei uma pequena casinha e tocava minha vida lentamente. As pessoas já falavam comigo e eu até começava a entender aquele “dialeto” caipira. Mas como meu nome era muito “difícil” pra eles (me chamo Steffany), meu apelido na cidade era: ESTRANGEIRA.

O jardineiro que cuidava das minhas plantas pedia desculpas toda vez que me via. “Dona estrangeira, a senhora perdoa eu, mas lá na cidade grande é tudo muito esquisito, muito complicado, acho que o nome da senhora é das mega... mega alguma coisa (megalópole, eu o corrigia)... é isso aí mesmo que a senhora falou! Mas, óia, não fique aperriada não, porque dona estrangeira é um nome muito pomposo, sabe?”. Valha me Deus!

As moças que trabalhavam comigo diziam que se sentiam no estrangeiro porque meu nome era de princesa. A cada dois minutos uma delas pronunciava “Steffany” e sempre vinha um comentário assim: “com o nome lindo que você tem, você arrumava um príncipe lá no estrangeiro”. Quem me dera! Todos os meus príncipes viraram sapos! Tinha ido para aquele fim de mundo para não ver mais nem príncipes e nem sapos.

E assim seguia minha pacata vidinha. Eu era a consultora em assuntos aleatórios do povo de Santo Anjo. Eles queriam saber as novidades da cidade grande, o que comprar de coisas finas, os eletrodomésticos bacanas, coisas que poderiam ser bonitas para casa, etc. Nos fins de semana sempre tinha um vizinho ou um amigo em casa. Principalmente depois que abriu um hipermercado, a sensação da região, onde todos passeavam e se divertiam.

Mas não se pode fugir do destino. Eu resolvi me tornar “estrangeira” na cidade de Santo Anjo para correr dos fatos que me decepcionaram na vida na capital. Quando me mudei para o interior, tinha acabado de terminar um noivado, às vésperas do casamento, após descobrir que meu ex-noivo tinha me traído e a mulher estava grávida de seis meses. Foram cinco anos em um canto que eu adorava, uma vida nova, sem qualquer notícia da minha vida anterior a Santo Anjo. Nesse tempo, tive uns namoradinhos, mas nada que fosse pra frente. Então o destino resolveu me colocar de cara com o passado.

Num sábado à tarde, estava com algumas amigas na praça conversando, tomando sorvete, quando eu vi o Rafael, meu ex-noivo, com duas crianças e uma mulher grávida ao lado dele. A moça não me conhecia; talvez por foto, mas não tinha certeza. Mas ele me reconheceu na hora e mandou as crianças e a mulher pro carro, vindo em minha direção.

Ninguém entendeu nada. Minhas amigas olhavam em volta e faziam comentários baixinhos entre elas. Mas ele fingiu que não estava percebendo e pediu para conversar. Disse que tinha pouco tempo. Rafael tentou falar comigo na época em que terminamos, mas eu não deixei. Não tinha perdão enganar duas mulheres, sendo que uma estava grávida. Por mais que aquilo me doesse e cortasse meu coração, havia uma criança em jogo (ou melhor, duas) e elas não precisavam ser influenciadas pela vida do pai. Ele foi um canalha e eu resolvi não brigar; simplesmente joguei fora e mudei toda uma vida.

Duas pessoas perdidas no tempo pelos seus erros, mas sem saber por onde começar. Começar o quê? Agora? Reviver uma emoção que destruiu corações e sonhos? Não! Esperei, rígida como uma tábua, que ele falasse. E, naquele momento, ele me pediu perdão; perdão pela traição e por ter destruído os meus sonhos. A única coisa que fui capaz de dizer, com as pernas tremendo, chorando por dentro vendo aquelas crianças que sonhei pra mim, foi: “Eu vim cuidar da minha, vai viver a sua vida. Já passou muito tempo! Não adianta ficarmos remoendo o passado, pois aquelas crianças não têm culpa. Siga o seu rumo, e, se possível, não volte a esta cidade. Agora vá, sua mulher está lhe chamando”.

É lógico que a minha vontade era dizer um monte de barbaridades na cara dele, mas não ia mudar em nada! Era melhor que fosse daquela forma. Pensei em voltar atrás, chamá-lo e dizer que foi um ato de defesa. Não. Percebi que nada ia mudar. Aquele minuto no qual se distanciou de mim, notei que ele era feliz, ao menos aparentemente. Talvez quisesse consertar um erro do passado, não sei e nem nunca vou saber. Depois da partida daquele carro, eu chorei por cinco minutos. Mas depois lembrei que resolvi ser uma estrangeira. Por isso, assumi meu papel e minha vida de estrangeira naquela cidade, deixando para trás uma história com Rafael e toda minha mocidade na capital.