PRINCIPADO DE MÔNACO
Claudio Alecrim Costa

Era o início dos anos setenta e eu tinha uns dez anos quando fui morar na rua Principado de Mônaco, em Botafogo, tão pequena quanto o país de um príncipe na costa mediterrânea da França.

O mundo e eu passávamos por transformações. Foi nessa rua que tive contato com coisas que determinaram algumas direções em meu universo. Herdei de minha irmã discos do Pink Floyd, Rolling Stones, James Brown, Canned Heat, Deep Purple, Secos e Molhados, Chico Buarque, Caetano, entre outros que seriam a base de minha cultura musical, sem fronteiras, de ritmos variados, misturando-se como deveriam todas as raças de homens. A revista Mad que encontrei em sua bolsa e que despertaria o desenhista.

No velho prédio bucólico, havia uma imponente portaria abobadada que levava a um corredor largo que terminava numa rotunda com desenhos clássicos no piso. A escada subia circular até o terceiro andar, onde morávamos. Na porta de nosso apartamento tinha uma janelinha que servia para identificarmos aquele que tocava a campanhia. Saudosos tempos!

No primeiro andar morava o Marcos, meu amigo mais velho e bem maior, que me dava uns cascudos sem motivo justificado. Seu pai era representante de laboratório e me apresentou à Sustagem. Deliciava-me fazendo uma papa com leite e os diferentes sabores que conseguia em envelopes de amostras grátis. Posso dizer que o pai do Marcos foi responsável por parte de meu crescimento.

O Esqueleto era outro amigo. Tinha esse apelido que nunca liguei ao fato de ser muito magro. Havia um tom afetivo no apelido que guardei pra sempre. Maurício, irmão do Esqueleto, era um desenhista fantástico, aliás, existiam muitos desenhistas na rua. Pegávamos gesso numa fábrica que ficava na esquina, próxima a Real Grandeza, e desenhávamos o asfalto inteiro. Não me lembro de coisa que tenha me dado mais prazer nesse período, talvez ficar olhando Pedro Stil, conhecido desenhista de animação, sentado no muro, em baixo de minha janela, fazendo desenhos com uma agilidade e genialidade que vi poucas vezes desde então. Se foi obra do destino eu não sei, mas o desenho entrou em minha vida por tudo isso.

Eu era uma criança onírica que sonhava acordado, no banco de trás do fusca 1964 de meu pai, ou no aparente cenário do corredor de meu prédio que me lembrava filmes do Conde Drácula com Peter Cushing e Cristofer Lee, pela atmosfera sombria e austera.

Os anos setenta foram marcados pelo movimento hippie, ditadura e escândalos internacionais como, por exemplo, o de “Watergate”,que abalou os Estados Unidos e provocou a renúncia do então presidente democrata Richard Nixon. Mas eu estava muito distante disso, aproveitando as sessões dos vários cinemas que existiam no bairro, ou no time de futebol que Stil organizava e era técnico.

Poderia escrever páginas sem fim sobre esse encantado tempo de minha vida e que hoje me lembro como uma história que vemos em filmes ou lemos em livros. A distância do tempo nos faz ver a beleza e a riqueza de mundos que um dia protagonizamos e que às vezes sentimos como estrangeiros.

fale com o autor