AS ESTRANGEIRAS (do começo ao fim)
José Luís Nóbrega
 
 

Quando crianças achávamos que elas eram bonitinhas... Mas, depois...

Depois de rotularmos as tais de “bonitinhas”, a coisa começou a se complicar. Pé com pé se batendo, e elas ali, querendo comer o pé e tudo que o pé pudesse possuir de atraente para as danadinhas. Mas nessa época elas ainda eram “bonitinhas”, coisas frágeis que de certa forma respeitávamos, e que gostávamos de observar somente à distância.

E assim, passamos a conviver pacificamente com as “bonitinhas” malditas. Na casa dos nossos pais, em todas as fases de nossa existência, moramos juntinho delas, mesmo sem nos darmos conta disso. Se buscarmos na memória, como elas se faziam presentes! Elas estavam em todos os lugares possíveis e inimagináveis. Cabeças erguidas, peitinhos estufados, será que elas sempre estiveram por lá, mesmo antes de nós? Só há que se ousar dizer que sim, que elas sempre lá estiveram, na casa de nossos pais, e nós, cegos que fomos e ainda com certeza somos, jamais ousamos vê-las como elas realmente foram e continuam sendo, pequenos seres fortes, obstinados, os quais insistem em nos perseguir, mesmo contra a nossa vontade.

Mas sabe de uma coisa, na adolescência, época em nossas vidas em que tudo se transformou, não é que elas também se transformaram, ou melhor, elas realmente passaram da nossa infantil imaginação para nossa realidade adulta. Passamos a vê-las de fato. Passamos a notar seus rápidos passos, ou até mesmo seus passinhos lentos. Enquanto pensávamos na namoradinha tal..., lá estavam elas, bonitinhas, alinhadinhas a nos fazer companhia nas horas de solidão. Como era prazeroso vê-las na adolescência! Parecia que nossos neurônios se agrupavam com o agrupar delas, fazendo-nos refletir sobre nossos maiores problemas, que nessa época eram apenas dois: cravos e espinhas. Parecia que a regra de três simples (e também a composta) se transformava na mais fascinante má-temática da vida cotidiana ao se olhar para o teto e vislumbrar a presença delas, sempre a trilhar um só caminho (muito diferente de nós, que ainda procurávamos vários caminhos para se trilhar).

Engraçado! Depois da adolescência, vieram os problemas reais em nossas vidas com as “bonitinhas” malditas... Não é que um dia quiseram colocá-las para fora de casa! Como não havia como expulsá-las, nossos pais, de forma brutal, para não dizer mortífera, assassinaram grande parte delas. Após a matança algumas poucas pequeninas, mas fortes, sobreviveram ao extermínio. Dias depois muitas outras chegaram de longe para morarem junto de nós. Elas venceram aquela e muitas outras batalhas, e estão por lá até hoje.

Depois do casamento, ou melhor, depois que deixamos a casa de nossos pais e construímos a nossa própria casa, não é que elas continuam a nos perseguir!!! Você as expulsará com água, esfregar de mãos no azulejo, irá esconder o açúcar e o bolo de aniversário na geladeira, colocará a goiabada lá no alto do armário..., mas, não haverá jeito, nada disso irá adiantar, e você terá a impressão que elas são esquimós ou palhaços com pernas-de-pau. Elas acharão tudo, para seu desespero, fazendo de você o verdadeiro palhaço dessa história! Sim, elas estão e sempre estiveram com você, desde a sua infância, passando pela sua adolescência, permanecendo em sua fase adulta, e com certeza, as formigas caminharão (ou correrão) sobre sua cova, quer você queira... quer não...