RIO CHEIO II
Juraci de Oliveira Chaves
 
 

Nossa!

Como chove!

Desço rua, subo rua e finalmente vejo-o soberano, mais lindo que nunca. Majestoso! Divino! Trovões reboam ao longe ressoando no fundo do rio. Rio rápido e com águas turvas, violentas, engolindo tudo que beira a seu leito. Árvores submersas em águas trêfegas não abrigam mais os ninhos tornando-os invisíveis. Os seus donos não escutam mais o pipilar dos seus filhotes. Desespero para aves e gente.

Lá longe, no meio do rio, um pedacinho de copa da árvore informa a profundeza e quão perigoso se tornou. O rio lambe casas, cobre de lama praças e ruas. Choro de gente e de pássaros. Muitos visitantes a observar a cheia inesperada do rio.

A represa de Três Marias não comporta o grande volume de água e é obrigada a se derramar no colchão do rio. Saem da frente que lá vem água, não importa o dano que causará. É um mal necessário, pois mais chuva virá.

Muitas pessoas na beira do cais pra lá e pra cá. Gente pequenina também se movendo dentro e fora do vapor, carros na rua ao lado, o vozerio da multidão... Tudo se confunde. Parece formigueiro. Flash das câmeras, por toda aresta procurando foco, procurando enchente, buscando gente. Cada qual a procura do melhor ângulo para registrar aquele momento histórico. Histórico porque há décadas, sem cheia. Era sequidão e fio de água sobre pedras. Pedras que proibiam a navegação forçando o vapor a ancorar no cais, lá embaixo, isolado, solitário. Foi nesta euforia, neste corre-corre na busca da melhor imagem das águas barrentas e revoltas, que o estrangeiro de cabelos grisalhos e barriquinha saliente, pisou em falso e mergulhou sem querer indo ao encontro de surubins e curimatãs no fundo do rio.

Uma passarada, à procura de abrigo soma seu canto ao canto de horror dos observadores de pôr-do-sol, cais e enchentes.

Todos saem correndo apavorados, da gaiola que se entristece. Já não se embala com a brisa ou mesmo com a marola da água. A cantoria, dos tripulantes e turistas, silenciou. A sua ornamentação ficou pálida, desgastada e rasgada pela tristeza. Os olhares profundos miram as águas turvas tentando ver o invisível.

- Cadê o rapaz? Pergunta uma voz rouca embargada pelo choro triste. Ninguém responde.

- Chamem o corpo de bombeiros, por favor! Outro grito na multidão...

Vez por outra as mãos do estrangeiro, aparecem pedindo socorro, mas logo era submergido pela violência da correnteza. Repentinamente, um membro do corpo de bombeiros entrou num barco a motor, com uma canoa atrelada, avançou rio abaixo.

Não demora muito, lá vem ele, bem devagar, com sua pesca humana estirada na canoa, esboçando um sorriso amarelo...

- O rio é lindo, mas perigoso...

 
 
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