UM CASAL ESTRANHO
Vera Vilela
 
 

Todos na redondeza da pequena cidade estranhavam o comportamento daquele casal de estrangeiros. Moravam há vários anos naquela mesma casa, nunca eram vistos participando de qualquer ato comunitário. Era sempre a mesma rotina: marido saindo de manhã com a sua pasta na mão, mulher bem vestida sendo beijada na testa. Fim de tarde: marido chegando como sempre a pé, mulher saindo no portão e o recebendo oferecendo-lhe a testa.

Entravam em casa, após meia hora, as luzes se apagavam e só. Dia seguinte tudo igual novamente. Era assim dia após dia até o dia que o grande furacão chegou.

Naquela manhã ventava muito. Todos na cidade preferiram ficar em suas casas e se prepararem para o grande furacão, que podia passar por ali no começo da noite.

O casal , para admiração de todos, cumpriu seu ritual diário. E a mulher se recolheu em sua casa como sempre. Mais nada se ouviu de dentro da casa durante todo o dia.

Uma vizinha aproveitou-se da história do furacão e resolveu se aproximar da casa a fim de descobrir algo. Tocou a campainha por várias vezes sem sucesso. Bateu palmas até as mãos doerem e nada. Resolveu vistoriar melhor a casa, chegou perto da janela aberta e olhou lá dentro para ver se enxergava a dona da casa. Nada conseguiu. Desistiu.

Um outro vizinho ainda tentou avisar sobre o furacão, jogando um bilhete lá dentro, mas o silêncio reinava na casa.

Terminou o dia, agora os ventos já castigam pessoas que insistiam em andar pelas ruas. As árvores e palmeiras daquela cidade praiana pareciam chicotes sobre os carros e casas.

E aquele homem estranho chegou até sua casa. O vento parecia não lhe tocar, seus cabelos nem ao menos se despenteavam, seus óculos permaneciam no lugar. Ele foi passando e olhando para os lados como de costume e cumprimentando os vizinhos mesmos eles não estando em seus portões, como sempre.

A mulher esperava o marido em seu portão, da mesma forma o vento não lhe tocava, seus longos cabelos permaneciam ilesos ao forte vento que soprava.

O homem se aproximou, abriu seu portão, que imediatamente saiu voando, beijou a testa de sua esposa, e abraçadinhos entraram casa adentro.

A porta da casa ao ser fechada não resistiu ao vento e foi arrancada e como uma pétala de flor, voou para longe.

Com a entrada aberta e o furacão já tomando conta de todo a quadra, a casa não resistiu e foi arrancada de seu alicerce. Ela foi transformada em centenas de tábuas voadoras, assim como com os móveis, eletrodomésticos, cortinas, tapetes, etc...

No dia seguinte enquanto todos os vizinhos contavam seus prejuízos, puderam ver o casal levantar-se do chão em que dormiam, no local que provavelmente seria sua cama. Eles se levantaram, ela o acompanhou até onde seria o portão e ele a beijou na testa.

Ela voltou para onde seria o interior de sua casa e ficou ali imóvel como uma boneca desligada no centro do amontoado de destroços.

 
 
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