PAPÉIS TROCADOS, BEM TROCADINHOS
Zeca São Bernardo
 
 
Têm coisa mais bonita de se ver que gringo caindo no samba em pleno carnaval carioca?- devaneava o doutor delegado enquanto procurava o que fazer naquela inédita situação! Ora, claro que está que pelo cenário de nossa história ser uma delegacia é de presumir-se que furtos, assaltos á mão armada entre outras tantas ocorrências não são de alterar os ânimos quer de escrivão, quer de investigador muito menos de delegado de larga experiência.

Mas entre um enredo e outro, carnavalesco ou não pois destes primeiros só sabia-os quem estava de plantão graças á televisão ligada na sala de espera, surgiu lá uma caso sem precedente: Mão ligeira, alcunha de um certo João do Nascimento, malandro conhecido velho das autoridades locais pelos roubos que lhe garantiram á alcunha compareceu ao 9 o. Distrito poucas horas atrás, juntamente com o estrangeiro que estava sentado de frente para o delegado - ambos detidos nas proximidades do sambódromo carioca - como queixoso junto ás autoridades mui competentes!

Declarou o mesmo Mão leve, perdão, não façam caso nem troça do trocadilho é que certas vezes faz-se necessário estabelecer que o apelido define a situação `profissional` do cidadão. Conquanto sua alcunha realmente seja de Mão ligeira e não leve, caso há de ficar a critério do leitor se não estamos a dizer que uma mão é leve e a outra a ligeira e estabelecer a revelia de seu critério se a direita ou a esquerda é leve ou ligeira. Enfim, enquanto esfria lá algum corpo que não tem necessariamente de ser o de alguma vaca, declarou o tal João ao ser abordado pelos soldados da ronda que o gringo o estava roubando!

Tratou-se a disputa toda em torno de uma jaqueta preta onde lia-se bordado Chicago Bulls e em cujo bolso interno achou-se a carteira do dito gringo, seu passaporte, uns poucos dólares, três ou quatro cartões de conhecidos serviços de acompanhantes - claro está que nosso visitante burro não é - e alguma moeda local, em torno de uns cinqüenta minguados reais. Ah, não podemos esquecer de três ou quatro papelotes de cocaína.

A saída mais razoável deste emaranhado é a mais obvia: A droga pertence a Mão ligeira, que tentou roubar o estrangeiro! O mesmo percebeu o fato e pegou-se no braço com esse ladrãozinho sem vergonha, daí veio a PM e me fez o favor de recolher os dois, pensou o delegado enquanto mexia seu café lentamente.

Sim, bem o podia ser, porém o inglês do norueguês era um pouco pior do que o do delegado e o único que acusava alguém de maneira compreensível era o ladrão; ele me roubou doutor, eu juro!

Sei, sei... e como se deu o fato meliante? - questionou.

Meliante, não doutor, desta estou limpo. De consciência, provas e se calhar até testemunhas trago de minha idoneidade! Bom, foi assim, o gringo me deu a jaqueta. Acho que ele bebeu umas a mais e começou a sentir calor, logo eu que estava com frio pedi-lhe uns trocados para tomar um aperitivo e ele estendeu a jaqueta... depois veio como um doido berrando atrás da minha pessoa e agarrou a minha jaqueta, puxando-a. Logo em seguida alguém chamou a policia e o mais o doutor já sabe!

E a droga? - questionou o delegado já certo do que iria ouvir.

A droga? Ah, sim, claro, a droga é dele! - sentenciou Mão ligeira.

Como, assim, dele?- perguntou o escrivão.

Doutor, esse que lhe fala não teve nem tempo de verificar o que tinha ou o que deixava de ter nos bolsos da jaqueta - concluiu.

Bom, então ficamos como?-perguntou o delegado ao escrivão- Não entendo nada do que esse gringo está tentando dizer... com exceção lógica e plausível á Pelé, Pelé e esse tal de João Mão ligeira, ágil, hábil, destra ou não sei o que diz que a droga não é dele, que ganhou a jaqueta do estrangeiro e alega ser a parte queixosa.

Doutor, a solução é meter os dois na tranca até acabar o carnaval ou até encontrarmos alguém que consiga se comunicar com o gringo, declarou o escrivão.

Bem pensado... já tentaram no consulado? - perguntou o delegado.

Claro, doutor. Só que o tradutor deles quer cem reais a hora para acompanhar o depoimento e só estará disponível depois da saída da Mangueira da avenida.

Ele sai na Mangueira, é? Bom, presumo que você não quer declarar-se culpado não vagabundo? Negativa obvia, também. E você não está entendendo nada, não é gringo? - pensativo o delegado declarou:

Façamos o seguinte, a droga não é de ninguém, a jaqueta é restituída ao legitimo dono e todo mundo vai pra casa! Estamos combinados?

De jeito nenhum doutor! Pela primeira vez na vida eu sou inocente e exijo meus direitos de cidadão - retorquiu Mão ligeira.

Bom, bom, assim não vai dar? Meirinho, mete todo mundo no X até amanhã. Vão todos ver a Mangueira entrar, chacoalhar, mexer, agitar e sair de trás das grades. E chega!

O delegado sorriu, enquanto o norueguês era encaminhado para a cela (aos berros em sua língua incompreensível e aos prantos) com o malandro e retomou a seu primeiro pensamento: Têm coisa mais bonita de se ver que gringo sambando em pleno carnaval carioca?