MAGRELA NOTÍCIAS
José Luís Nóbrega
 
 

Magrela está deitado num sofá todo rasgado, cheirando a mofo, controle da TV na mão direita, latinha de cerveja na esquerda. No noticiário o assassino de uma jovem de dezesseis anos é entrevistado. Flashes de câmeras fotográficas, inúmeros microfones ao redor do criminoso. Magrela pensa: ali está um cara importante, famoso. Quantas perguntas fazem a ele, e eu, nem existo pra esses caras. Bater carteira não tá com nada. O negócio é matar alguém e depois esperar pelas entrevistas, fotos, capas de revistas... Magrela toma mais um gole da cerveja que já está pra lá de quente e sai, deixando a tevê ligada...

A casa até que está bem arrumadinha por fora. Muro baixo, nada de cachorro latindo. Magrela atravessa o quintal e vai direto para a porta da cozinha. Lembra-se das cenas dos filmes, em que o bandido abre a porta com um araminho. Magrela não tem um araminho, apenas uma pedra ali pertinho, no fundo do quintal. Quebra o vidro da porta, passa a mão pelo buraco e tateia a chave do lado de dentro. Abre a porta com apenas uma volta na fechadura. Mais fácil que em filme, diz Magrela para si mesmo, todo sorridente, atravessando o corredor que dá acesso para a sala. Lá, uma mulher assiste ao mesmo programa policial que ele assistia há pouco. Ela se vira com o controle na mão em direção ao magrela Magrela, sem camisa, descabelado, olhos no fundo, revólver na mão. Apenas um tiro e ela vai se deitando, até descansar a cabeça na almofada no canto do sofá. Magrela fica ali parado, olhando a mulher que já não mais respira, olhos abertos olhando o nada, controle preso na mão. Um sujeito sai do quarto, máscara no rosto, luvas brancas nas mãos. Magrela agora dispara dois tiros. O homem é jogado pra trás feito um saco de batata atirado de um caminhão pelo companheiro do Magrela, de nome Sansão. Deixa o local pela mesma porta que arrebentara. Volta pra casa, desliga a TV e dorme no sofá rasgado, cheirando a mofo.

Depois dos crimes, Magrela não sai de casa nem pra surrupiar carteiras dos desatenciosos e sorridentes turistas do calçadão. Dois dias e nada de notícias do grande feito do magricela Magrela. Na manhã seguinte ele acorda mal-humorado, gosto de cerveja amanhecida na boca. Pô, será que ninguém deu falta daqueles dois babacas? Levanta o corpo magrela do sofá rasgado, mas não liga a televisão como sempre fez. Vai pra rua comprar jornal. O jornaleiro estranha aquele homem todo descabelado, sem camisa, descalço, impaciente a folhear um jornal. Na última página do caderno policial, só uma magrela noticiazinha, com uma foto do cara com a máscara e luvas brancas. A magrela notícia dizia que um casal fora assassinado, e que a comunidade onde o crime ocorreu se sentia aliviada com a morte dos traficantes que usavam a casa para refino de coca. Ah, por isso o cara tava de máscara e luvas, falou Magrela em alto e bom som, para espanto ainda maior do jornaleiro. Da próxima vez mato um cara importante e viro notícia das boas. Joga o jornal aberto sobre a banca e vai apressado pra casa. Pô, que cabeça a minha! Esqueci a latinha de cerveja no congelador...