ROSA E CÁRCERES
Lia Abreu Falcão
 
 

"O mais importante e bonito do mundo é isto; que as pessoas não estão sempre iguais,
ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando.
Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou..."

- João Guimarães Rosa -

Sou descaradamente cativa desse trecho de 'Grande Sertões' de Rosa. A afeição por este gênio - que não me atrevo a chamar regionalista, posto que universal como só ele soube ser - é herança de meu pai e, talvez por isso, eu a tenha guardada entre tantas outras afetividades extraordinariamente hereditárias. A coleção, em papel-bíblia, não sai de minha cabeceira e, apesar do tempo, continua novinha em folha.

O conteúdo, tesouro verdadeiro. Viagens bárbaras que me acompanharam e acalentaram muitas noites de insônia até hoje e, com as idades, foram tomando vida própria, assumindo outras conotações, contornos vários, atrevendo-se a me encantar com novas matizes e paisagens inusitadas.

Assim como a própria vida, as idéias do autor continuam atuantes e dinàmicas, interagindo, movimentando-se: correm rios, gritam ecos, declamam poemas, reclamam dores e me aquecem a alma.

Ora afinamos, ora desafinamos. Mas nunca, nunca chegamos ao fim. Verdade maior.

As idéias de Rosa, de Nietzsche e de tantos outros realistas pressupõem convicções como cárceres, pois as entendem avessas a mudanças e a novos paradigmas.

Com alegria, constato que as transformações constantes causadas pelo vício da leitura e pelo prazer curioso do conhecimento via Literatura, nos fazem menos néscios, menos beócios, menos velhacos e menos canalhas. Nos transformamos exatamente naquilo o que deveríamos ser - mais humanos.

Negar-se a essa experiência é tornar-se estático, é congelar-se ante a dinâmica vida que nos encerra. E toda estática - seja histórica, geográfica, filosófica, psíquica ou emocional - antecede ao último cárcere - o cárcere da estagnação.

E isso é o fim.

 
 
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