TRANSLUCÊNCIA
Luísa Ataíde
 
 

“A verdade não está lá fora, a verdade está dentro de você.
A sabedoria já existe em estado latente dentro de nossa consciência.
A verdade está dentro de nós. Não surge das coisas externas,
mesmo que assim acreditemos. Há um centro interno
onde a verdade habita em sua plenitude.”
- Sidarta Guatama - Buda


Os caminhos desnivelados esgueiravam-se rente à murada de pedra até sumir na névoa úmida. O barulho das botas tocando as rochas ecoava no silêncio do que lhes era então o desconhecido.Olhavam a muralha extensa que se perdia entre a fumaça e o céu. Céu noturno sem estrelas. Os que iam à frente pararam súbito e o pequeno grupo deteve-se frente à ponte. A metade visível da ponte se estendia em pedaços suspenso sobre o barulho das águas. O ruído do rio entre as pedras em som contínuo falava-lhes do abismo sob os pés;

_ O que vocês querem aqui? – gritou alguém do outro lado.

_ Estamos de passagem, não devemos nos demorar.

O homem ladeado por dois soldados de armadura cruzou os braços ao peito, pernas entreaberta, falou em cochicho ao que estava do lado esquerdo:

-Quantos deles você consegue ver?

- É um grupo pequeno, acho que uns oito ou nove.

_ Vocês estão doido ! - disse o outro soldado , não vejo ninguém.

O que nada via olhou os companheiros assustados:

_ Vocês tomem cuidado com o que acham que estão vendo. Nossos companheiros que desapareceram, começaram vendo vultos do outro lado da ponte. Vocês sabem que esses caras levam o pessoal daqui e nunca mais eles voltam.

_ Voltam sim. Tenho a impressão de conhecer alguns deles. Disse o chefe, ao que concordou o outro soldado.

_ Vocês vão embora com esses caras? E o nosso grupo, o que será deles sem você chefe?

_ Você pode vir também. De que vai adiantar voltarmos. Somos escravos dessa organização. O que nós fazemos além de vigiar dia e noite. Ficamos preparando panelas e panelas de ácido para distribuir nas festas que nem sabemos o que comemoramos. E o que fazemos depois? Brigamos e gritamos a noite inteira. Não há um minuto de descanso. Nem dormir podemos.

_ Eu fico,disse o soldado. Estendeu a mão ao que estava no centro buscando o distintivo de chefe da milícia.

_ Vem conosco Selt. Será melhor pra você.

_ Cara eu vou encontrar o que? Quem? Não vejo ninguém do outro lado da ponte.

Os dois soldados despiram a capa que traziam sobre os ombros, retiraram a armadura, e toda a roupa de baixo. Corpos nus sob o céu escuro.

Os pés descalços cruzavam as tábuas de madeira, com extremada cautela. Prendiam as mãos nos pequenos fios laterais que prendiam precariamente à passagem rota.

Selt,o soldado que ficara prendeu o distintivo ao peito, bateu forte na armadura e puxou com força uma das cordas que se estendia à frente. A ponte precária estremeceu e os dois homens se dependuram entre os fios.

Os que aguardavam do outro lado, saíram em auxílio, puxaram os soldados pelos pulsos . Eles olhavam aterrorizados o abismo negro sob as cordas.

O grupo agora reforçado por dois novos companheiros, abriu um pequeno círculo frente à ponte e deram-se as mãos. A escuridão da noite foi entrecortada por pequenas luzes que passavam entre eles cortando o espaço em movimentos circulares como os ponteiros de um relógio.

O homem sozinho do outro lado chutou as roupas e as armaduras em direção ao abismo. O barulho do metal sobre as pedras era um grito de guerra no silêncio da noite. Olhou o grupo que desaparecia na noite úmida, bateu a ponta da lança no chão e gritou o mais alto que conseguiu:

- - BÁRBAROS !!!