CRÔNICA RESIGNADA DE UM ALLEGRO MISANTROPO XXVI
Sérgio Galli
Verão de 2007 (falta menos de um mês para terminar, ufa!)

(Ao som de “Um a zero”, de Pixinguinha, como Rafael Rabello e Dino Sete Cordas)

Samba. Carnaval. Mulata. Feijoada.Caipirinha. This is Brazil. Tãoooooooooo brazil. Tom Jobim. Bossa nova. Tãoooooooo brazil. Mas o tom no Brasil não é apenas esse. Suas notas também podem ser ouvidas no “jeitinho brasileiro”, no “deixa pra lá”, “jogar a sujeira pra debaixo do tapete”, “eu não sabia de nada”, “vamos por uns panos quentes” e assim por diante. Mais um crime hediondo cometido por facínoras insanos e todos ficam indignados, clamam por justiça mais rigorosa, mudanças na legislação para reduzir a maioridade, e, quiçá, a pena de morte.

Justa indignação. Mas também deveria haver indignação em relação, por exemplo, aos “mensaleiros” que ficaram impunes após as luzes dos refletores se apagarem. Muitos foram eleitos no pleito do ano passado. Alguns até premiados: estão na Comissão e Justiça da Câmara (José Genoíno, José Mentor). E os “sanguessugas”? Soltinhos da vida. E o Maluf? Deputado federal? E o ACM? O Collor?a lista é infindável. Qual a punição para esses bandidos? E o chefe da quadrilha – assim categorizado pelo procurador-geral da Justiça – o José Dirceu? Todos já tem maioridade. Prisão perpétua? Pena de morte? Empalação?

E o que falar da barbárie urbana, o trânsito, proporcionado pelo automóvel? Empalação para quem furar o farol vermelho, estacionar sobre a faixa de pedestre, sobre a calçada? E o pior, atropelar. Isso não é assassinato? Não é crime? E há tantos outros exempleos que esta crônica se tornaria inviável, quase uma lista telefônica de crimes cometidos por cidadãos acima de qualquer suspeita. Todos impunes. Circulam pelas altas roda, afinal, são celebridades, ou estão no centro do Poder. Já a patuléia...

E porquê não ficamos indignados com a total inversão se valores exortada pela indústria do entretenimento? Alguém fica indignado com a novela das oito? O “grande irmão? O Faustão? O Ratinho? È a humilhação, a vulgaridade, a violência, o ódio, mostrado ao vivo em cores com um leve sabor de danoninho que vale por um bifinho. Sim, entramos na calhordice da propaganda. A propaganda tem o poder que só Deus possui: é onisciente, onipresente e onipotente e ainda tem o dom da ubiqüidade. Goebbels deve estar com inveja e se pudesse cobraria direitos autorais dos publicitários. O que ela mostra? A vulgaridade, os baixos instintos, a cafajestagem, o vale tudo. “Sim, com aquele carrão eu posso tudo e quero que vocês se f...” “Bebo esta cerveja vagabunda cercado de loiras burras e o resto que se dane” “Com este cartão de crédito eu tenho a força, tenho o poder” Esses são os valores predominantes. Preponderantes. O hedonismo, o nacisismo, a egolatria, o individualismo. Afinal, não mais existem cidadãos. Ou a estupidez cínica dita por aquela ex-primeira ministra da Inglaterra; “não existe sociedade”. Claro, existem consumidores e clientes. E a patuléia. E ainda há os filmes de óliude. A sanguinolência é eduldorada. A violência é estetizada. E quase todo mundo adora os filmes de terror, do Tarantino, do Martin Scorcese, do Clint Estwood e tantos outros. Alguém fica indignado com essa barbárie em celulóide (agora, digital)?

Eu acho que gráficos, pesquisas, tabelas e, principalmente, estatísticas são tudo empulhação. Mas vou apelar. A cada 13 segundos uma criança morre por falta de saneamento básico. Em pleno século XXI crianças morrem de diarréia. Caganeira! Quantas irão morrer até eu terminar esta crônica? Alguém fica indignado? Para quê? O Deus Mercado resolve tudo. Superávit primário, ajuste fiscal, juros altos, Estado mínimo. Alguém fica indignado com essa cantilena? E outra: Progresso. Tecnologia. Desenvolvimento. Crescimento.

Quantas crianças já morreram ouvindo essa cantilena?

Mais uma vez perco meu tempo, gasto bytes e bytes, faço muito barulho por nada. Nada vai acontecer. Nada vai mudar. Ou melhor, mudanças para que tudo fique com está. Diminui-se a maioridade penal. Quiçá, vem aí a pena de morte. E sei lá o quê. Afinal, o certo é errado. O errado é certo. Valores? Ser “isperto”. “Levar vantagem”. O vale-tudo está instaurado. Para quê escrevo?

Para terminar, de volta à crônica anterior.

Assim caminha a barbárie civilizatória. Ou a civilização bárbara. Tom Brazil.

Sugestão de leitura: “Crime e castigo”, Fiodor Dostoievski, Editora 34.

 
 
email do autor