ANONIMATO
Carla Deboni
 
 

De nada me adianta correr pela noite fazendo de seu escuro negra cortina para que não mais me vejas fugir. Teu olhar ainda está presente e é em vão que me atiro pelas ruas na ilusão de alguma diversão sem compromisso e prazerosa, ainda que somente por escassos minutos.

Jogo o corpo em bares e mais bares como se sozinha conseguisse despertar o êxtase dos transeuntes que me cruzam o caminho rindo em bando e buscando, ainda que agora inconscientemente, a mesma solidão que tenho algemada a mim. A vontade de buscar o antídoto na saliva de beijos e lábios desconhecidos com línguas tão inquietas quanto a própria alma. A música ensurdecedora, a efêmera sensação de liberdade, de que agora, sim, meu pensamento está livre de ti... É ao tropeçar o olhar em olhos tão verdes quanto as duas pedras que carregas no semblante que logo penso reconhecer o que na verdade procuro e que já cansei de conhecer.

Aleatoriamente minhas mãos colam-se aos dedos que encontro ao acaso no embalo dos acordes e já não me importo com o rosto que se aproxima de mim, já que a fisionomia que lhe dou mostra-se nítida e presente assim que fecho os olhos. Sinto o calor do corpo que balança e que me roça as coxas, os braços e o pescoço. Uma tímida tentativa de abraço me faz sorrir, como se tivesse encontrado finalmente alguma segurança. A boca passeia pelos meus cabelos até me encontrar frágil e já certa da entrega, e me toma como se fosse alguma bebida da qual desejasse se embriagar. E qual é minha surpresa ao perceber que, quando me olha, o desconhecido também procura em mim outro rosto, e sinto-me confortada com a troca de beijos desconcertados que não desejam nada mais do que um mero entretenimento. Sem nomes ou carícias, as bocas bebem o anonimato e engolem mais uma noite seca feito os passos solitários na calçada quando a música adormece.