COMPLEXO DE DROSSELBART
Eduardo Prearo
 
 
"Águas passadas não movem moinhos"
Anônimo

"A deusa sentou-se no chão"
Hermann Hesse

Por que fomento paixões em mim mesmo. Entre os vinte e os trinta eu tinha essa mania, a de fomentar paixões em mim. Fazia terapia freudiana e achava interessante deitar-me em um divã. Mas não continuei, fiz somente um ano. Depois, com o passar dos anos, entrei para a terapia holística. Descobri que Anne Frank fora uma superdotada afetiva. Nunca li o diário dela e nunca soube de nenhum homem que escrevesse um. O sonho mais longo que já tive passei para o papel: sete páginas. Era um sonho que se passava na China comunista. Não me recordo muito dele. Na minha juventude por vezes me chamavam de rapina, e até hoje não sei o que significa isso. Talvez seja uma coisa boa, relacionada a pássaros, vôos e liberdade.

Certa fragilidade parece envolver a palavra senhor. Hoje, por exemplo, chamaram-me de senhor 11 vezes, e onze parece ser um número perigoso: um atrás do outro. Os mestres tornaram-se mais jovens do que eu, mas tudo bem, pra que vou me preocupar com isso? Preciso criar um indez para atrair pessoas, ou então, atrair anjos. Os anjos têm lábios de garrafa, deliciosos.

Descobri que sofro do famoso complexo de Drosselbart. Ah se eu tivesse...ah se eu tivesse permanecido no Uruguai, pedido a todos um emprego, em vez de voltar, repatriado...ah se eu tivesse deixado de escrever este texto e ido dormir...ah se eu tivesse entrado de gaiato em um navio...ah se eu tivesse desenvolvido meus músculos e me tornado consequentemente um objeto caro. Descobri que tenho limitações demais, talvez bem mais do que a maioria das pessoas, que realmente não sou o centro do Universo e que talvez nunca terei uma vida centrada em Deus. Mas pretendo continuar tentando. Obrigado.