CURIOSIDADE
João Rodrigues
 
 
Lábios de garrafa. Era assim que chamavam-na. Provavelmente um apelido de infância, pensei. Seus lábios não eram tão grossos assim; talvez fossem frios... a verdade é que fiquei curioso quando ouvi, numa rodinha de homens, alguém comentar sobre isso.

Na noite seguinte lá estava eu sentado à uma mesa num canto escuro da boate aguardando a entrada de Ana Lábios de Garrafa. A curiosidade é uma ferida que se abre cada vez mais sempre que ela não é correspondida. E dói, e arde, e queima. E assim precisamos de um remédio para que aquela chaga seja curada de uma vez por todas. Pura decepção. Ela nunca sara. Hoje está boa, mas, como uma herpes, estoura na próxima oportunidade em que queremos saber de algo novo. E novamente nos dirigimos de maneira desesperada em busca de uma nova – ou antiga – solução.

Bem, como eu dizia, lá estava eu aguardando o meu elixir. Até hoje não sei o que me despertou a curiosidade maluca de querer saber o que aquela expressão significava. Acho que sempre fui curioso, esse é o verdadeiro motivo. Talvez eu tenha me interessado por Ana Lábios de Garrafa. O interesse pelo proibido. Ela era uma dançarina de boate, uma prostituta talvez, e eu, um estudante de seminário dividido entre as coisas sacras e mundanas. Apesar disso, a verdade me parecia mentira e a mentira me parecia verdade. São Tomé adoraria ter-me conhecido, acho que teríamos feito uma bela dupla que discutiria sobre tudo enquanto percorría os velhos e empoeirados caminhos do evangelho. Certo ou errado, questão de ótica. Céu ou inferno, questão de fé. Santidade ou pecado... bem, eu estava ali para descobrir. Eu, um aprendiz de santo no meio daquele mundo de hereges.

Como um meio de justificar a minha ida àquele lugar profano, (a melhor mentira é aquela que você consegue mentir para si próprio) disse a mim mesmo que, para que saibamos o que é certo ou errado, temos de ter uma experiência com ambos (anos depois vi que não era bem assim, há outras maneiras de se aprender). Como poderei distinguir o bem do mal, como poderei, em meu santo cargo de representante celestial, julgar, condenar e absolver alguém se eu não conhecer os dois lados da moeda? Ana me daria uma resposta. Seus lábios me dariam uma resposta

Após o show, dirigi-me a ela discretamente e, com o coração dividido entre o sagrado e o profano, trai meus conceitos por um pouco mais de trinta moedas. Mergulhei no obscuro mundo da curiosidade.

Enquanto escrevo esta história pergunto a mim mesmo se escolhemos um caminho por alguma razão ou se a razão é o próprio caminho. Curiosidades, curiosidades, curiosidades...