A MALDITA
Patrícia da Fonseca
 
 

Casei com ele muito jovem. Nem tinha completado vinte anos ainda, mas já estava grávida de três meses quando fomos morar juntos. No início tudo era bom. A gente morava numa casinha simples nos fundos da casa dos pais do Milton. E até era legal porque quando a Luana nasceu, eu tinha minha sogra para me dar uma força. Eu me dediquei tanto ao bebê que não sei direito quando o Milton começou a beber. Eu reparava que ele chegava meio esquisito de noite. O trabalho terminava, mas meu marido não vinha direto para casa. Ele sempre tinha que dar aquela parada tradicional no bar da esquina, reduto dos desocupados e amantes da bebida aqui do bairro. O pai do Milton até que tentou chamar a atenção dele, mas o Milton não dava bola, garotão ainda. Mal tinha feito 21 anos e com tantas responsabilidades... só podia ter caído de boca na bebida. Os anos foram passando e eu ali, criando nossos filhos enquanto o Milton trabalhava feito um escravo. Disto eu não posso me queixar. Ele nunca deixou faltar nada dentro de casa.

Teve dia que meu filho do meio chegou em casa, com a bola debaixo do braço, branco feito cera. Tinha visto o pai de mãos dadas com uma morena há duas quadras de casa. Fiquei louca. O Milton me traindo? Mas não falei nada. Ele chegou naquela noite bêbado, fedendo a perfume barato e deitou na cama sem nem tirar a roupa. Fiquei com tanto nojo que fui dormir no quarto das meninas. Elas não falaram nada, já sabiam pelo irmão o que o pai andava fazendo. Talvez soubessem mais coisas do que eu, que vergonha.

Dali para frente, nosso casamento foi degringolando aos poucos. Nem sei se foi pela bebida ou pela traição. Eu não conseguia mais transar com o Milton. Imaginava ele saindo com um monte de mulheres, sem usar camisinha, bêbado, correndo o risco de me passar uma doença. Não sei como a bebida não afetou o emprego dele, logo agora que tinha sido promovido. O Milton ganhava mais, então ele bebia mais. Por conseqüência, saía mais e chegava em casa mais tarde do que deveria. Como ele ia trabalhar de manhã era um mistério. Meu filho chegou a dizer que o organismo já havia assimilado o álcool, por isto que ele ainda conseguia trabalhar.

Eu sabia que tinha mulher na parada porque ele não me procurava. Éramos dois irmãos dormindo na mesma cama, o que para mim era ótimo. Só não me separava do Milton porque eu ficaria com uma mão na frente e outra atrás. Quem mandou eu engravidar cedo? Puxa, eu não sabia fazer nada para entrar no mercado de trabalho. Era quase desesperador.

Foi numa sexta-feira – a derradeira. Não sei o que aconteceu com o Milton. Vi quando ele chegou, quase de madrugada, atropelando os móveis, o cheiro da bebida eu senti de longe. Ele entrou no quarto e eu já estava com a cabeça coberta para não vê-lo, tamanho o meu asco. Então ele puxou o lençol com força, me destapou e veio por cima de mim, tentando me beijar. Abri os olhos de susto, apavorada, tensa, só não gritei por causa das crianças. Quando eu o encarei, a primeira coisa que vi foi a sua boca muito próxima da minha, aqueles lábios de garrafa de uísque barato, quase vomitei. Lutei, apanhei, mas não escapei de ser praticamente estuprada pelo Milton. No outro dia, peguei minhas coisas, meus filhos e me mudei para a casa da minha irmã, a que era bem de vida e podia me ajudar. O Milton me procurou, deu um show na frente de casa e eu até chamei a polícia, num barraco total para satisfação dos vizinhos. Depois disso ele nunca mais apareceu para me ver. Os filhos iam visitá-lo com alguma freqüência e eu nem queria saber nada sobre ele. Nada mesmo. Minha irmã me conseguiu um emprego numa loja e eu estou tentando acertar minha vida. Desde então nunca mais namorei ninguém. No meu corpo não restam mais as marcas que o Milton me deixou, mas meu coração ainda está aos pedaços. Tudo por causa da bebida, esta maldita.
 
 
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