LÁBIOS DE GARRAFA
Thiago Pinheiro
 
 

Eram romances adolescentes à primeira vista e sempre foi assim; encontros para beber e surtar, suco de cevada, lábios, corpos e garrafas deitados no final da noite - nas manhãs, ressacas anuladas pelo sentimento da paixão.

Algo unia os jovens que passavam por sua vida - óculos de grau - e bota grau nisso!

Janice até frequentou por uns tempos um reconhecido salão de massagem que fica alí perto do metrô Jabaquara, só cegos trabalhavam lá, e isso a inalgurou nela um fascínio sobrenatural - o primeiro namorado "sério" surgiu dalí, e era o único com o mínimo de visão dos que trabalhavam por lá. Sssshhh!!! Algo agradou no toque do magérrimo Marcelo e ela o seguiu escondida, abordando-o três estações depois, aliás namoro durou as mesmas três estações e foi o único a ir tão longe.

O fim se deu em uma dessas tardes de domingo. O quietíssimo Marcelo saiu em lágrimas e não voltou mais à casa da "Jãjã" - bonita, impaciente, mortalmente perfumada e sempre de vermelho.

Parafraseando minha velha professora de física e seu mestre:

- Quando iguais, duas forças opostas se anulam e suportam.

Os dois eram bem opostos, mas haviam tornado-se parecidos demais: ele era elegante, chegava enflorecido e silencioso aos sábados, sempre as sete, enquanto a Janice era moleca de pés na terra e demorava pra se arrumar, mas os papéis foram mudando - até que não deu mais.

Depois do Má, só amores arrebatadores e curtos, decepções sempre igualmente fortes - os homens eram um por quinzena - sempre "dessa vez, o homem de sua vida" e a Janice era sincera de tudo, amava de corpo sem traumas. Chorava muito é verdade, mas passava. Janice era sim muito bonita, mas havia uma covinha em seu rosto dourado que a humilhava a cada manhã, dessas que só mulher nota, sabe?, bem na lateral! - quando isso se somava a insegurança típica dos "fundo-de-garrafa" e ao fato de não poderem ver a tal covinha, fazia o fogo acender.

Mesmo saindo derrotados, ou imorais (como queira chamar), ela e seu homem de cada quinzena acabavam vitoriosos - Janice vencia sua covinha, seu medo de ser vista diferente mesmo sendo vistosa, e os engarrafados recebiam lábios carnudos e quentes, aprendiam a voar conquistando uma nova perspectiva.

Quando lábios e fundos de garrafa se uniam - lábios de garrafa se abriam, e uma vez retirada a tampa, verdadeiros lábios de garrafa não se fecham - até que se viva e que a vida escoe. A bela Janice e seus amantes quase cegos venciam um mundo escravo da imagem, que impõe tão friamente e molda pessoas em atos suicidas, como quem corta carne de sí mesmo para comer - lábios de garrafa foram a resposta aos corações desesperados, em meio ao caos visual.