OUTROS TEMPOS...
Mairy Sarmanho
 
 

Quisera ter a memória de todos os tempos passados, para não repetir os erros no presente... Mas não sou possuidora de tamanho talento. Minha memória é pequena, sombria, acumulando pequenas passagens que me tocaram o coração com a voracidade de um crocodilo. O que resta é selecionado por meu poço racional e reconhece importância em coisas inúteis. Lembro do enterro de um peixinho, quando criança. Mas pouco me lembro da morte de minha avó, tão recente. A memória é uma armadilha do tempo e da mente...

Imaginem se fossemos capazes de recordar tudo, desde o início dos tempos. Lembrar as cruzadas, quando cristãos dizimavam raças inteiras em nome da fé... Recordar o Egito com seus reis deuses; o início e o declínio do império romano; a morte sombria de Kafka; a solidão de Nero; a pobreza de espírito de muitos considerados heróis em nosso tempo; a crueldade de povos que se disseram oprimidos; a maldade de um simples mortal esquecido no corredor da vida; a façanha de quem descobriu a roda; a morte do último dinossauro; a criação do universo... Se conseguissemos aprender com todos os erros, o mundo seria um lugar bem melhor para viver...

Mas não somos tão capazes, assim. Somos apenas responsáveis pela memória de nossas vidas imediatas, pelas lembranças que serão esquecidas após nossa morte, pelas esperanças ofuscadas pela desilusão de nossas pequenas histórias... E temos de nos contentar em aprender, ao menos, como evoluir um pouquinho além do que somos.

A memória é mágica, penso eu, e consegue atravessar o umbral da história para nos lembrar que somos parte desse sistema que move o universo e carrega consigo os desejos de todos nossos ancestrais e de todos os descendentes genéticos de nossa história.
Um dia, antes de morrer, vou lembrar como era o cheiro dos cabelos de minha avó. Com certeza, vou recordar...