CINCO FILHOS
Maurício Cintrão
 
 

Implacável? O que é isso? Cara, mal tenho memória! Aliás, isso mais lembra título de filme de cowboy malvado do que tema para crônica. E, faça-me o favor: ô teminha sem-vergonha.

Poxa, eu fico afastado duzentos anos, volto todo empoeirado, a fim de rever os amigos, contar as novidades e pego um tema desse! Tá certo que eu venho cheio de lembranças do tempo em que tínhamos mais cabelo, menos barriga e muito mais disposição (Tô falando dos homens, queridas! Calma, muita calma!). Mas não precisava exagerar. Memória implacável é tema para cronista que não se conformou com a evolução dos tempos. É para escrever aqueles textos gigantes, lembrando aos jovens que a TV já teve seletor de canais, o telefone foi de disco e o conga a gente usava com pocho (ou poncho e conga?).

Por falar nisso, a Mirinha usava poncho e conga nos velhos tempos do Objetivo. Ela queria ser psicóloga e eu jornalista. Desistimos ambos. Ela por sabedoria, eu por decurso de prazo. Mas, enfim, o que importa o tema se o que eu tenho para dizer nada tem a ver com memória, posto que, se lembrasse direito, saberia que já tenho quatro filhos e arranjaria um jeito eficaz de evitar mais um. Mas ando meio desmemoriado, sem dinheiro, cancelaram a TV a cabo, os livros já não cumprem seu papel e... sem conversa vai, sem conversa vem ... pimba!

A Viviane, minha mulher, está grávida.

Pera, sem sacanagem! O pai sou eu.

Não da Viviane, né, sua besta! Do bebê que vem vindo por aí.

Eu, este velhinho com cara de homem-bomba, cheio de dores nas costas e má-disposição, sou candidato ao quinto filho, que chega em setembro.

A Mariazinha já deve ter feito o escarcéu de sempre na lista dos Anjos, porque ela já sabia e é um noticioso da Net. Mas, como sou metido, preferi confimar pessoalmente (ou literariamente).

No começo, quase enfartei com a notícia. Gente, não estou com o burro na sombra, ainda tenho muito o que fazer. Mas vislumbrava um futuro mais tranqüilo. O filho mais velho já se casou com a Dona Luana. Daqui a pouco eles me dão netos. Os filhos seguintes formam uma curiosa escadinha dos 16 aos 11. Ou seja, era para começar a sonhar com a casa na Ilhabela daqui uns 15 anos. Mas a vida é assim mesmo. Propõe desafios que a gente não espera. É pegar ou largar. Eu pego e pago. E vou ver o que acontece.

Enfim, vim contar a notícia via croniquinha, para relembrar dos tempos em que eu tinha memória implacável, dedos ágeis e muito mais imaginação. Hoje, anos (e anjos) depois, digo com certo conformismo. Eu preciso de um segundo emprego, de uma kombi de segunda mão e um balde de Lexotan. Cinco filho, faça-me o favor!

E os caras ainda querem que eu tenha memória implacável...