A BOLHA
Ana Terra
 
 

Quando criança adorava fazer bolhas de sabão. Uma latinha qualquer, um pedacinho de galho de mamona e restos de sabão faziam milagres. Soprava com tanta força que minhas bochechas doíam.

Manhãs de julho. O vento enchia a rua com bolhas de todos os tamanhos. O Sol se encarregava de colorir. Dezenas de arco-íris encantavam e explodiam com rapidez.

Beleza efêmera.

Numa noite de chuva, arregalo os olhos. Na minha frente está uma bolha e uma alma que me diz: é a nossa proteção.

As bolhas aparecem novamente. Fragmentos de duas almas num diálogo/monólogo:

-É o nosso mundo. Nosso ser...em ser.

-É a nossa mãe nos acolhendo.

-Fazendo-nos uma cama suave, acolhedora, macia onde nossos corpos se deitam.

-De musgos úmidos.

-Nossos poros se expandem. Nosso cheiro exala, nosso suor se mistura, atraindo borboletas coloridas.

-E você me possui suavemente. Tomo você em meu corpo, deslizando, penetrando.

-Você me recebe e eu te recebo.

-Sinto sua boca doce, teu sabor doce enchendo minha boca.

-Sinto a textura de sua pele. Meu altar sagrado.

-Que jamais será violado.

-Choro.

-Eu bebo sua água. Seja de onde for.

-Meu rosto está molhado.

-Cada gota é uma partícula de amor. São lágrimas da alma.

-Descem suavemente.

-Sinto tuas mãos aqui. Nas minhas mãos. No meu rosto.

-Lágrimas de êxtase.

-Que eu acolho e guardo. São nossas lágrimas. Sagradas e eternas. Imaculadas. Intocáveis.

-Tão imaculadas que não uso as mãos para detê-las. Deixo que elas molhem meu corpo, cada pedacinho de seu corpo.

-E nossas almas se juntam. Agarram-se. Transformam-se em uma. Extasiadas. Sedentas.

-Uma viagem de olhos fechados e corpos nus. Nossas almas unidas. Felizes.

-E cheias de amor. Explodindo.

-Com tanto carinho, flutuam.

-Silenciosas.

-E pousam sobre uma nuvem colorida. Ali nos deitamos. Nos beijamos. Nos possuímos e fazemos o nosso amor. Imenso. Intenso. Suave.

-E eu me sinto em você.

-E você está em mim.

-Agarrando-me em teu ser sobre a nuvem colorida. Tomo você em meus braços. Aperto forte. Para que você se impregne em mim e não mais me deixe.

-De onde não quero sair

-Sinto você em meus braços, em meu corpo.

-Fraca, frágil, feliz, entregue.

-Cheia de luz. Como se pudéssemos sair pisando todas as nuvens do céu. Totalmente livres.

-Só quero o teu prazer.

-E eu o teu.

-Só quero que estremeça em meu corpo, em meus braços. E se entregue sem medos, sem pudores.

-Então surge a bolha. A nuvem colorida.

-E toda a magia.

-E tudo ao redor parece que desaparece. Só fica um encanto. Sem explicação. Um desejo. Sem explicação. Mais um carinho, carregado de quero mais.

-Como se formasse uma cachoeira, onde pudéssemos nos banhar. Agarradas num beijo longo. Sentindo a água bater em nossos corpos.

-Raios de sol entre árvores.

-E pouco a pouco, vamos nos infiltrando. Somos apenas um. Voando. Deslizando.

-As gotas de água da cachoeira se transformam em cristais coloridos, acariciando nossos corpos.

-Que fazem luzes em nossos corpos. Eu te abraço. Um abraço apertado. Fundo.

A bolha imensa nos envolve. Sinto que estou subindo rumo ao infinito. Lembro que as bolhas de sabão têm vida curta. Fecho os olhos. Não quero ver a explosão.