ABRIR BEM A BOCA
Jurandir Araguaia
 
 

Quando me deparei com o instigante tema desta semana, logo recorri ao “Google” (sempre ele a nos salvar em ocorrências do tipo). Digitei a palavra-chave (crocodilo) e fui encaminhado à Wikipédia – quem me dera existisse uma em minha infância. Sou do tempo em que devíamos consultar os pesados volumes de Enciclopédia, pelo menos eu tinha uma. Depois líamos o texto, fazíamos o resumo e aguardávamos ansiosos o resultado do nosso esforço. Hoje, basta copiar, colar e imprimir: pronto, a nota dez no espaço de poucos “cliques”.

Voltemos ao tema. Descobri que não se deve misturar crocodilo com jacaré. O primeiro possui 14 espécies e pertence à família crocodilydae e o segundo à família crocodylia. Ficou claro? A moderna enciclopédia cita outras diferenças, mas se o amigo encontrar-se com um crocodilo ou jacaré, ao nadar em inocente lagoa, o que vai querer é chegar rapidamente às margens, se tiver tempo para isso.

Ambas as espécies são muito parecidas sendo que a cabeça dos jacarés é mais curta e larga, além da presença de membranas interdigitais nas patas traseiras. Quando estiver diante de um deles, na lagoa, verifique as patas traseiras.

Uma outra distinção importante e interessante ocorre no aspecto da dentição. No jacaré o quarto dente canino da mandíbula inferior encaixa num furo da mandíbula superior, enquanto nos crocodilos sobressai para fora, quando têm a boca fechada. Caso um deles abra a boca aberta na sua presença, pronto a dar-lhe uma dentada, o amigo não saberá dizer se é um ou outro, se sobreviver para contar a história.

O único continente que não possui crocodilos ou jacarés é a Europa. Pode-se nadar tranqüilo em qualquer rio ou lagoa daquele continente, quando não estiverem congeladas pelo inverno – nessa época você poderá patinar. Já na Austrália é recomendado ter cuidado inclusive nas praias, pois os tubarões e crocodilos disputam as pernas dos banhistas com incrível voracidade.

Leio estarrecido na lista do “Google” sobre um crocodilo, em Uganda, que foi capturado vivo, após matar 83 pessoas. Mas o maior impacto que tive diante do réptil foi uma foto, estampada nos principais jornais e revistas, mostrando o antebraço de um cientista na boca de gigantesco monstro. Precisei olhar para a foto várias vezes. Parecia a macabra cena de um filme de horror. A nota feliz foi que o membro foi re-implantado com sucesso, apesar de certa perda de mobilidade. O cientista ficou no lucro.

A famosa expressão “derramar lágrimas de crocodilo” surgiu ao observar-se o réptil engolir uma presa sem mastigar, ele abre a boca de tal forma que comprime as glândulas lacrimais. O fingimento é atributo humano.

Posso entender a voracidade do réptil e sua luta pela sobrevivência, o que não consigo entender é a minha própria espécie que lança duas bombas atômicas sobre cidades desprotegidas, que derruba torres gêmeas com aviões, que ata granadas ao corpo mandando tudo para o espaço, que entra armado em uma faculdade da Virgínia e extermina colegas, que arrasta pelo asfalto uma criança por 7 km, que financia guerras e mais guerras. Gostaria de derramar lágrimas pela humanidade, mas não consigo. Elas secaram com o ar-condicionado. Mas quem sabe se eu abrir bem a boca...