PRIMEIRO SUSTO
Mariana Monteiro
 
 

Todo mundo avisava: mulher sozinha no carro, de vidro aberto, no Rio de Janeiro, não dá certo. Ela nem ligava, adorava a sensação de liberdade, sentir o vento, ver a paisagem do percurso diário. Que mal poderia ter nisso?

Parada no trânsito no final da tarde, a surpresa. Aquele sujeito estranho veio caminhando, se aproximando, olhando.

Ela - de vidros abertos, é claro - pensou: ele vai passar direto, deixa de ser preconceituosa, Annalucia! E se for ladrão, fechar o vidro rapidamente poderá irritá-lo.

Resolveu agir naturalmente. Deixou o vidro como estava e olhou para frente, sempre observando o sujeito de "rabo de olho".

Não teve jeito. Ele se aproximou, debruçou-se na janela da motorista e pronunciou a temida frase: "Se você arrancar o carro eu arranco a sua vida".

Annalucia, que nunca tinha vivido algo semelhante, mas conhecia bem o roteiro, entendeu o recado e ofereceu a bolsa ao meliante. "Não! Quero é a carteira, o dinheiro, rápido!"

E agora? Logo ela, tão desorganizada, que não tinha carteira? Jogava o dinheiro, documentos, tudo na bolsa enorme (super na moda) e sempre ouvia do namorado quando suspirava que tinha perdido as chaves de casa: "sei, sei, procura direitinho que você acha".

Será que o ladrão teria a mesma paciência?

Começou a jogar no banco do passageiro tudo o que sacava da bolsa. Coelho? Um mágico se surpreenderia com a variedade de objetos. Caderno, revista, óculos, necessaire, absorvente, sombrinha (vai que depois de mais de um mês sem chuva São Pedro dá uma trégua?), ó, dois reais, toma ladrão.

Procura mais, um recibo ali, uma caneta acolá, rímel, batom, as chaves de casa que ela nunca acha, carteira de motorista, ufa, mais dois reais. "Vamos, vamos, eu quero a carteira!".

Preocupada com a reação do até então calmo ladrão, Annalucia respondeu aflita: "Mas moço, eu não tenho carteira, eu jogo as coisas na bolsa e depois não acho mais..."

Não se sabe se foi sorte, se foi a presença de uma viatura da Civil que apareceu na hora, se foi a sinceridade de Annalucia, ou se o ladrão era tranquilo mesmo.

Foi-se embora com os quatro reais. Atravessou a Praia de Botafogo em direção à orla sem olhar para trás.

Annalucia, ainda parada no trânsito, as pernas meio bambas, recolocou tudo na bolsa - que ainda continha vinte reais no fundo (ela bem que procurou) e sua câmera fotográfica. Passado o susto, ligou para o namorado, contou para os amigos na faculdade.

No dia seguinte repetiu a história com certo ar cômico no trabalho, relembrando o buraco negro que era sua bolsa.

Mas restou uma estranha sensação: sentia como se houvesse aguardado aquele momento (sabia que ele chegaria, mais cedo ou mais tarde) desde o primeiro dia na Cidade Maravilhosa. Ficou até um pouco feliz por não ter sido pior. O ladrão foi tão compreensivo...