NUM BANCO DA CINELÂNDIA
Sophia Lange
 
 

Sentado num banco, você lia um livro. Acho que era Dostoievski, ou seria alguma coisa de Rubem Fonseca? Não sei dizer. Me lembro do seu jeito taciturno, movimentos em câmera lenta, mas ao mesmo tempo inquietos, como à espera de alguma coisa que deveria acontecer. Era de uma inquietação singular, mal disfarçada.... Parecia um personagem do livro que lia. Parecia perdido nos sentimentos... Vai ver eles nem eram seus sentimentos, mas coisas que os outros te deram, emprestaram, impuseram. Acho que você tinha medo de você mesmo, do que sabia ser necessário fazer e não fazia. Ou talvez fosse tudo só impressão, imaginação da minha cabeça.

Você estava lá, sentado naquele banco onde mendigos dormem, trabalhadores descansam numa breve pausa da realidade, velhinhos retomam o fôlego; todo tipo de gente. E não fazia diferença. Em frente ao cinema. Do seu lado um pipoqueiro e na frente o letreiro "Babel" - Première. Num café as pessoas bebiam a filosofia da vida, aos amores perdidos, aos achados e a tudo mais que se disfarça de papo- furado em uma mesa, seja ela de café ou de bar. São ótimos purgantes das agruras. Era fim de setembro e o vai e vem das pessoas a sua frente comprando ingressos para o festival era grande. Mas você parecia não dar conta.

Não sei se você me viu em algum dos momentos que olhou pro nada. Se viu, não notou. Mas eu te observava e ficava atenta porque queria saber a sua história, perguntar o que passou... Saber o porquê de toda aquela sombra a sua volta. Colocar você no colo, passar o dedo entre os seus cabelos e fazer você rir. Te falar: "Vamos ao cinema?". Comprar uma pipoca... Afinal, estava tudo tão ao alcance. Você parecia não querer tudo isso... As coisas não estavam se negando a você. Eu queria era compartilhar de toda aquela vida que estava em volta e você nem percebia.

Você era atraente. Devia ser daquelas pessoas que são sempre um enigma. Que envolvem a gente com atitudes que jamais imaginamos, simplesmente porque parecem absurdas num primeiro momento, mas fazem total sentido. É só se livrar dos preconceitos, das tais das pré-concebidas idéias.

De repente, saindo daquele seu mundo, você levanta, vira as costas e vai embora. E eu? Eu continuei ali, parada, sem conseguir me mexer e dizer: "Olha, meu bem! Acho que você é o amor da minha vida! Vamos tentar?".

Foi a primeira vez que te vi... Todas as outras vezes te encontrei nas minhas lembranças. Esbarrei com você nos meus medos, na minha saudade. E não posso negar, todos os dias vou naquele mesmo banco, sento e te espero, afinal foi a primeira, apenas a primeira, disso eu sei.