BESTESELLER
Suzana Garcia
 
 

Ficou horas olhando para o teclado, como se desejasse penetrá-lo. Interagir mesmo, de dentro pra fora.Afinal a intimidade começa assim, pensou.

Helena nunca tentou transformar seus pensamentos, idéias, emoções em palavras escritas, letra após letra.

Pensou em como transformaria lágrimas de alegria, ou tristeza ou dor em palavras. Que letras utilizaria para descrever aquele olhar,aquela respiração quente, pertinho de sua nuca que a fazia delirar.Que seqüência seria correta,que tempo de verbo, já que o amor é eterno e atemporal.Como usar a concordância para descrever uma briga? Não. Não iria conseguir. Levantou-se e foi fazer um café.

Encostada na pia, divagou sobre como seria ver um livro seu numa livraria. Na vitrine, em destaque.Gesticulava sorrindo cumprimentando os convidados .

- Olá!Senhor X, esta gostando do coquetel?

- Pois não Senhora Y, claro que autógrafo para sua filha!

Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii...

Pulou assustada com o apito da água na chaleira, mania que herdara de sua mãe!Café gostoso só de coador de pano! Dois cubinhos de açúcar e voltou ao computador. Lá estava ele, o teclado. Assustador!

Tantas combinações, tantas possibilidades. Só de pensar que uma simples vírgula poderia ser um ponto final em seus sentimentos e desejos, a arrepiava.

Página em branco, arial, corpo 12. Tantas idéias, tanto a ser dito, tanto a ser escrito que nunca foi falado. “Melhor colocar um pseudônimo”, pensou. Não seria justo, tanto tempo, tanta angústia e agora que tomou coragem não esconderia seu nome. Que assim seja.

Respirou fundo, colocou Chopin e teclou até as cinco da manhã. Não sentiu as horas passarem. Sete horas em frente ao computador e não sentiu nem sequer dor nas costas. Nem sono, nem nada. Não queria parar. O teclado, agora sua extensão, lhe proporcionava um imenso prazer. Se soubesse que este estado de verdadeiro êxtase tomaria conta de seu corpo e sua mente, já teria escrito há muitos anos. Um turbilhão de pensamentos, entre seu texto, sua história, seus pensamentos iam e vinham.Arrepiava-se em pensar em quantas pessoas leriam seus textos.Pânico de criticas? Que nada! O prazer era imenso e se não gostassem em nada mudaria sua liberdade de escrever.

Pausa para um banho, café e trabalho. Naquele instante percebeu o quanto seu trabalho não lhe agradava mais. Seu chefe observando-a por detrás dos óculos de aros de metal. O toque do telefone e mais uma cliente insatisfeita. A fila no bandejão. O feijão.

Helena sobe até o décimo andar. Bate à porta. Entra e olha seu chefe profundamente e em silêncio. Este, pergunta o que desejava.Helena respirou fundo e pediu demissão.

Era seu primeiro emprego ,portanto a primeira vez que pedia demissão.Gostou da sensação.

Na rua, ao caminhar sentido estação do Metro ficou imaginando o que seus amigos iriam dizer. Seria sua primeira insensatez, certamente. Quinze anos de trabalho jogado fora. Helena sorriu. Desceu as escadas rolantes, entrou no trem e durante todo o trajeto ficou pensando em como escreveria o próximo capitulo.