SÃO JOÃO OU ROSAS?
João Gilberto Engelmann
 
 

Uma vez não gostava de flores. Não é que não gostava, era indiferente. Elas apenas existiam. Estáticas na Praça da Santa Cecília. Suas cores me diminuem, acho. Preferia que não me ofuscassem. Mas flores não nos obedecem, nos ofuscam. Insensatas, ofuscadoras da luz alheia. Mas não penso mais assim. Ao menos teimo em dizer isso. Flores me converteram. Penso que me ofuscaram antes, mas me converteram.

Gosto de sentar e escutar as pessoas. ( será por que sou de câncer?) E estive escutando uns dizeres lá na minha terra. Não era senso comum, era uma terapeuta que falava para alguns reunidos. A maioria eram mulheres. Tinha quem não fosse, ou ao menos não se davam a conhecer diferentemente. A terapeuta gostava de flores, percebi depois. E eu não. Ofuscam-me, sabe? Acho que ela sim gostava de verdade. Mas também, as pessoas dizem que gostam de tanta coisa que na verdade não suportam. Mas não era o caso dela, ao que me parecia. Eu não gostei dela. Ela gostava de flores e eu...Acho (achava?) a flor um despropósito! Exibidas, com uma carinha de coitadas. Mas gostos são eles mesmos. Discutem-se sempre!! Também acho que aquela mulher se encantou comigo. Sim, percebeu minha aversão às flores. Isso porque quando ela falava as lindas petúnias...as esplendidas rosas..blá blá blá...eu virava o rosto, enchia a bochecha de ar e fazia, fhhuuu. Talvez não queira que cubram meu túmulo. Talvez. Sim, ela percebeu. Minha mãe disse: tu ta bem? E eu, tem como? e ela não entendeu, acho. Mas tá, somos incompreensíveis mesmo.

Minha sorte (??) era que tinha comigo algo pra ler. Tinha pegado na porta da igreja algo dado por alguém da PJ, acho. Era algo que dizia como ler o Evangelho de São João. Li. Doutorei-me naquele encarte. Minúsculo mas bom pra aquele momento. Ah, você não pode direcionar sua leitura bíblica por caminhos fundamentalistas. Dizia lá. Nem fragmentar demais os trechos. É perigoso. Perigo é fazer terapia com uma floróloga. Um medo! Chá de rosas pessoal, uma beleza...bah, que saco. Chá preto até que dá, mas de rosas? E ela piscava pra mim, como quem diz: né jovem? Tenho trauma com essa expressão. Não preciso confirmar nada a ninguém, ora, tampouco que chá de rosas é A ou B. Aí cansei do encarte. Comecei a rasgar o banco. Ok, parei logo. Apenas extrai umas espuminhas. Quis ir embora. Levantei.

Não lembro de ter escutado ela pedir um voluntário. Acho que não pediu. Mas um cara todo vestido de preto de costas pra palestrante é uma boa pedida, não? Mas eu juro que iria embora. E ela disse: o moço de preto ali, por exemplo..i Ah? Quem? Pode vir aqui jovem? (ela disse jovem!) Estou indo embora, disse. Que bom que nos ajudará um estante, ela disse. Cara, não gosto de pessoas assim. Tu diz uma coisa e elas se fazem de sonsa e entendem outra. Não mesmo! Mas fiquei sem resposta. Só agi. Fui até ela e disse oi. Diz olá pro pessoal..(.me pediu o nome baixinho e eu disse) João. Quase morri. E minha mãe vibrava como quem diz esse é o meu filho1 Ai ai...Disse o olá para o pessoal. Me responderam em coro. Até gostei. Mas permanecia estático. ( não tenho muito jeito pra parar frente às pessoas). E ela me encheu de perguntas falando excessivamente alto. O que faz esse moço? Quantos aninhos? E boom: qual a flor predileta? O moço e o aninhos eu até que agüentei firme. Mas não ao flor predileta. Gaguejei. Pigarreei. Respondi que estudava e minha idade. E só. Mas ela não esqueceu a terceira pergunta. Capaz. Disse, e daí, rosa, orquídea, margarida, alguma outra? Tudo me veio à mente. Até o dia que, na escola, me deram uma flor e eu chorei porque queria o boneco do batmann mas tinha acabado (isso com 6 anos, claro). E ela com um sorriso impaciente esperando. Minha mãe pálida como quem diz entre os dentes: fala logo. Aí falei: é...não sou muito “apegado” às flores, mas gosto igual...Todo mundo percebeu aquela cara de descontentamento. Não gosto de rubro-negro, mas era tal e qual estava naquele momento. Mas ela não se deu por derrotada. Pôs uma rosa beeeem vermelha na minhas mãos. Os espinhos eram descomunais. Um horror!(?) Cuide as mãozinhas moço que não é “apegado” a flores. Sim, eu senti um tom de ironia na voz dela. Juro que sim. E continuou, gente, isso não é só para ele ta? (claro que era só para mim) mas flores são...e elencou centenas de beneficitudes das mesmas. Lembro mais de como ler o evangelho de são João do que tudo que ela disse em prol das flores. E eu com os espinhos na mão. De quando em vez soprava nas pétalas e elas se retorciam como quem diz: aí, não me oprime!( sempre achei que rosas têm vozinha de patricinha, toda cheia de aís) Aí ela terminou. E virou o rosto num sorriso florido (rrrrr) e disse: mudei ou não sua opinião sobre flores? Ah? É...sim sim. Acho que vou estar mais apegado a flores de agora em diante. E ela sorriu. Claro que não estava satisfeita. Não era boba. Tinha sacado que eu não me iria “apegar” mais a rosas. Mas não havia o que fazer. Só me restou uma promessa. Vou pensar com mais carinho nas ditas flores agora. (?) me converti, afinal. Mas confesso, por um único motivo: aqueles espinhos na minha mão... sei lá... eles tem algo de diferente. Um “que” de especial. Algo de misterioso, não sei. Gosto de esp...digo, de rosas (flores de espinho como chamo mais intimanente). Eles me fascinam. E ela foi embora.