BINGO!
José Luís Nóbrega
 
 

Quarenta anos de casamento, marido aposentado, marido que depois de parar de trabalhar nunca mais saíra de casa, ou quando muito, de casa para o banco da praça jogar baralho, ou jogo de damas com outros aposentados, mas, de uns tempos pra cá...

De uns tempos pra cá passou a sair nove e meia da manhã, todo arrumadinho, perfumado, sempre pegando dinheiro na carteira lá da gaveta do criado-mudo. Mudo também está ele de uns tempos pra cá, tem notado a mulher. Sai calado, todo arrumadinho, dinheiro no bolso... Não almoça em casa, voltando já tarde da noite, depois do final da novela das oito, que para a mulher, que anda desconfiada dele, devia se chamar novela das nove – nunca começa antes das nove a bendita da novela. A aguardente ele não voltou a beber, com certeza. Não volta cambaleante como antes, nos tempos do alcoolismo.

Chega já com a novela iniciada. Ela sempre está cochilando no sofá. Ele passa, ainda todo arrumadinho, toma um banho e vai pra cama. Ela sai do sofá, desliga a tevè e vai pro quarto. Lá, o marido já está dormindo, ou finge dormir.

A esposa tem notado de uns tempos pra cá que o dinheiro não dá pra chegar até o fim do mês. O marido está sempre reclamando, tirando dinheiro emprestado no banco. Ela sabe que agora aposentado tem o maior crédito no banco. Um tal de empréstimo consignado. O duro é que ela tem notado de uns tempos pra cá que o marido está se endividando mês-a-mês. De uns tempos pra cá ela tomou a decisão de segui-lo, e foi isso que ela fez quinze dias atrás.

Ele passou por ela na sala, às nove e meia em ponto da manhã de segunda. Ela fingiu que assistia tevê. Pode parecer estranho fingir assistir algo sem assistir, mas os pensamentos dela não estavam na tevê. Ele saiu, todo arrumadinho, perfumado como sempre. Ela o seguiu. Meia hora de caminhada, dez horas em ponto, abertura de um bingo na avenida São João. Bingo! – exclamou a mulher. De uns tempos pra cá o marido estava perdendo tudo num bingo. Voltou ela pra casa desolada, sem saber o que faria diante daquela situação. Ela pensara que o marido estava tendo um caso. Talvez até fosse melhor mesmo, mas um marido aposentado, viciado em bingo, problema difícil de se resolver.

Oito e meia da noite, ela com os olhos perdidos na tela da tevê e pensamento no marido, que de uns tempos pra cá estava perdendo tudo em um bingo. A voz grave do William Bonner desperta a atenção da mulher. Advogados, delegados, juízes e até delegados haviam sido presos, todos acusados de facilitar o funcionamento de bingos no Brasil. Advogado preso ela já tinha ouvido falar, mas delegados, juízes? – nunca! E desembargador, o que seria? Só poderia ser autoridade das importantes, pensou ela, sem notar que o marido abrira a porta da sala.

No dia seguinte ele não saiu nem às nove e meia, nem às dez... A mulher ficou toda contente. Fez um almoço daquele! Picadinho com mandioca frita, comida favorita do marido. De uns tempos pra cá ele não vinha comendo em casa, mas naquele dia, comeu feito um esfomeado do nordeste. À noite, antes da novela, lá estava o Bonner de novo, com aquele vozeirão anunciando que todos os delegados, juízes e desembargadores (o que é um desembargado, caramba?, diz a mulher em voz baixa), todos, estavam soltos. Só os advogados ainda estavam na carceragem da polícia federal.

Dois dias depois o marido saiu às nove e meia em ponto, mas a esposa nem se apercebeu da fuga do velho aposentado. Enquanto tricotava, seu pensamento era um só: desembargador... O que será um desembargador, minha santa dos aflitos?...