TERAPIA INFALÍVEL
Valéria Nogueira Eik
 
 

Cansada, exausta, fatigada, extenuada, esgotada.

Formavam-se balões de frases sobre ela a todo instante.

A vida é chata.

O mundo é um saco!

As pessoas são chatas.

O trabalho está um saco.

Você é chata.

Não! Você é muito chata.

Que tédio!

Decide que hoje é o dia certo para sair e tomar umas e outras.

E vai.

Na entrada do bar, um garçon sui generis a recebe cheio de salamaleques.

Seu acompanhante detesta garçons sui generis.

Solta uns grunhidos ameaçadores.

Ela sorri.

Está infeliz, mas, o garçon está feliz.

Ele parece uma bailarina em noite de estréia.

Saltitante, traz o cinzeiro.

Delirante, traz o menu.

Esvoaçante, traz a notícia que não tem nenhum bourbon.

- Não tem?????????????

- Infelizmente, não tem.

Novos grunhidos ameaçadores quase atingem o garçon.

Mas, ele nem percebe a ameaça pairando no ar.

Está alegre demais para ser atingido por ironias.

Está tão inocente quanto um transeunte que, no próximo passo, vai ser atingido por uma rajada de bosta desses pássaros insolentes que se amontoam nos galhos das árvores.

Então, que seja uma caipirinha para a senhora.

E uma vodka com duas pedras de gelo para o cavalheiro.

- Duas pedras, hem? E nada de limão. Não quero limão!

E lá vai o garçon, deslizando pelo bar, repetindo feliz:
- Nada de limão. Duas pedras de gelo.

O cavalheiro olhou para a dama e rosnou:
- Olha só pra isso!

Ela sorriu e tentou acalmar o acompanhante.

Sente-se enternecida pelos trejeitos do garçon.

Tão novinho!

Tão competente em sua função.

Tão assumido em sua posição!

E lá vem a caipirinha, que de caipirinha não tem nada, nem timidez.

Rapidamente encharca as tensões e alivia as tristezas.

Grande caipirinha!

Por natureza, uma psicóloga fantástica.

Em segundos invadiu o cérebro, amoleceu a censura, abocanhou os segredos e deu um coice na dama, que por muito pouco não foi a nocaute.

Que fique documentado em ata: a tal caipirinha, que não era caipirinha nem tímida, e que a princípio foi confundida com uma psicóloga, que vergonha! não era nada mais nada menos que o próprio analista de Bagé.

Grosso e eficiente, cumpriu sua tarefa.

A dama ficou nas nuvens.

Prometeu a si mesma providenciar novas sessões de terapia.

Despediu-se do seu garçon sui generis com um largo sorriso cheio de dentes.

Saiu pisando duro e olhando para o infinito.

 
 

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