INDECENTE NOSTALGIA DO QUE NÃO SE VIU, NÃO SE VIVEU...
Zeca São Bernardo
 
 

Naquele tempo, Antônio barbeiro
Fazia serviço completo!
Barba, cabelo e bigode...a preço de uns poucos vinténs.

Meu avô pescava no riacho que passava
Atrás de nossa casa e minha mãe,
Menina moça brincava com sua boneca de
Retalhos pelo quintal.

Enquanto meu tio quebrava, outra vez, o dedão
Do pé noutra bola dividida na pelada jogada
Com bola de meia! Ali mesmo, na rua.

Minha avó costurava e lavava para fora!
Muito antes desta expressão ser pejorativa.
E os gemidos e berros das vitimas de Lampião
Chegavam ao sul trazidos por outras tantas bocas
Que contavam histórias de suas terras.

Manoel Capeta, malandro velho, na época
Mulato novo chegado do Maranhão teimava
Em falar que era carioca das duas gemas.
Garantia que as galinhas que vendia só botavam ovos com
Duas gemas.

E de tanto jogar dominó no botequim do velho Jerônimo Português,
Nunca pagar as contas que deixava,
Acabou sendo convidado a se retirar daquele estabelecimento e com
Ele foi seu bandolim.

Com o bandolim seguiram, também, a cuíca, o surdo, o tonton e a
Viola doutros amigos de cachaça e malandragem .
Mas não foram muito longe, não...
Reuniam-se primeiro as segundas, depois as terças, depois as quartas
E de tanto reunirem-se ali, do outro lado da rua, em frente o boteco.
Fundaram a primeira escola de samba dessa cidade!

Naqueles dias, sexo era palavra proibida e
Quando muito interessava só aos casais...já hoje é
Assunto de dois, três, quatro e isso quando não estão
Todos juntos no mesmo quarto!

Ah! Não posso esquecer!
Naqueles dias, também, dona Maria Cambinda
Comprou uma chácara na rua de cima e
Ali pariu o Ilê Axé Omo Dada qualquer coisa.

Outro dia um antropólogo me explicou que se era de Cambinda,
Era de Angola, logo não bateria tambores de Keto, GeGê.
Mas, sei que ali descia em terra uma aldeia de caboclos muito bravos.

Fez fama, dinheiro, história...mudou para o estrangeiro e nunca mais voltou.
Pavimentação asfaltica era cascalho.
Dinheiro ganhava-se trabalhando.
E a farmácia do Toninho ainda sustenta na fachada o nome
`Phármacia`, como nos bons dias da mocidade de seu pai.

Cachorro era bicho fiel e gato virava churrasco e deixava o couro de presente
Para algum tamborim...não preciso declarar onde, preciso?
Ás coisas são assim!
O tempo passa e a saudade aumenta.
Cresce no peito, incha e infla.
Contudo, de todas as histórias e mais estórias
( bem sei que as houve, ah, bem sei)
de que ouvi e não vivi a que mais me atormenta,
fascina e encanta é sobre o céu limpo, límpido.
e forrado de estrelas.

Tão diferente das noites de hoje.
Sem esperança...
...sem grandes ou boas histórias que deixem-se ficar aqui, ali, acolá e não sei bem
mais onde para a posteridade.
Tão diferentes das noites de hoje, de um céu deserto.