DIA E NOITE
Luísa Ataíde
 
 

“Tenho certeza de que estou enlouquecendo de novo. Sinto que não podemos passar por outra daquelas terríveis fases. E desta vez não ficarei curada. Começo a ouvir vozes, e não posso me concentrar. ..”
(Trecho da última carta de Virgínia Woolf)

Atrás da porta, no final do corredor, se abre a plantação de crisântemos escuros. Entre os canteiros todos os objetos de corte. Empilhadas no fim do muro estão as armas de fogo, revólveres de canos curtos e velhas espingardas. Pedras empilham-se do lado esquerdo da cerca e atrás do milharal em flor estão os sacos umedecidos de veneno. A porta está fechada e perdeu-se a chave. A menina de pés descalços corre pela casa em busca do que possa abrir a porta. Todos eles estão lá fora à entrada da casa. Uns seguram seus antigos casacos, outros tremem ao vento que desalinha -lhes os cabelos. São homens velhos, alguns meninos. Há mulheres sim, muitas mulheres. Algumas torcem incessantemente as pontas dos cabelos. É noite, por sorte há lua. Estão em fila única e alguns descansam a mala ao lado do pé esquerdo. Há livros de folhas amareladas dentro das malas. Há rios de água escura dentro das malas ,fumaças de tiros ainda vagueiam nelas e na última,a menor de todas , o bolo de chocolate. Bolo ainda quente do forno. Em volta do bolo a sombra azul do gás. Pode se ver as cordas balançando sobre as cabeças. No fim da fila o abismo ,e inadvertidamente a queda é para cima. A todo o momento alguém cai do abismo e se torna o último da fila. A porta se entreabre aos crisântemos. Os passos miúdos avançam pelo corredor . A mulher , a última da fila , tem parte do cabelo preso e a pedra ainda enrolada no vestido. Antes de cruzar a porta , ouve seu nome. Volta a cabeça lentamente.