DEZ
Rosi Luna
 
 

Primeiro. Fica estabelecido nenhum contato físico, primeiro quero apreciar,ela é apenas uma mulher de costas e assim deve ser. Não consigo me aproximar,ela é esguia e fugidia. Vejo sempre sua silhueta clara caminhante, num rompante corro até a varanda para esperar que às dez ela vai passar. Senta no banco ao lado da estátua, ela é estranha, por hora posso jurar que está balbuciando palavras ao vento. Com quem fala? Não vejo ninguém.

Segundo. Fica estabelecido nunca sonhar e no próximo segundo querer realizar,ela é apenas uma mulher feita de palavras e assim deve ser. Não consigo entender sua linguagem, ela é poesia e fantasia. Vejo sempre seus passos de bailarina, sinto vontade de chegar perto mas sei que às dez ela vai sair para bailar. Seus escritos parecem estar voando, num ballet de frases em movimento. Para quem escreve? Não tem ninguém lendo.

Terceiro. Fica estabelecido nenhum olhar de frente, nem parar no terceiro andar,ela é apenas uma mulher na sombra da parede e assim deve ser. Não consigo ver nitidamente, ela é clara e escura. Vejo sempre um rosto de olhos negros como uma
noite imensa, num relance olho pela objetiva da máquina de fotografia e às dez sei que ela vai posar. Para quem ela se mostra? Não tem ninguém olhando.

Quarto. Fica estabelecido nenhum encontro no quarto, ela é uma lua quarto-crescente e assim deve ser. Não consigo fingir que ela não me seduz, ela é brilhante. Vejo sempre um corpo de diamante que eu queria lapidar, num precioso tecido de pele minhas mãos escorregam na sua mina - minha menina e às dez sei que ela vai deitar. Porque ela não se aproxima? Não tem ninguém na lua.

Quinto. Fica estabelecido nenhum jantar no quinto andar a luz de velas, ela é uma mulher iguaria e eu não resistiria e assim deve ser. Não consigo comer e nem beber, ela parece um drink de cereja. Vejo sempre que ela me provoca, num espumante quero mergulhar na sua boca e se me atrevo e às dez sei que ela vai fugir deixando a taça. Porque ela é deliciosa assim? Não vejo ninguém ali na mesa.

Sexto. Fica estabelecido não ouvir música no sexto volume, ela é uma onda sonora, é a sexta nota dó ré mi fa sol la, ela está lá e assim deve ser. Não consigo ligar naquela música romântica, ela é minha semântica. Vejo sempre que ela modula a voz, num compasso quero dançar no seu corpo e às dez sei que ela vai me envolver ouvindo um jazz. Porque ela quer me matar de paixão? Não tem ninguém apaixonado por ela.

Sétimo. Fica estabelecido não pegar o sétimo lugar na fila, ela é uma escada, quero subir, ela está no topo e assim deve ser. Não consigo lidar com o fato que ela não perde a altivez, ela é meu coringa. Vejo sempre que ela é a rainha das cartas, num jogo quero dar a próxima cartada e ela blefa e ganha e sei que às dez ela vai me dar cheque-mate. Porque ela faz esse joguinho? Não tem ninguém apostando nela.

Oitavo. Fica estabelecido não trocar correspondência, ela é o oitavo parágrafo, quero ler as entrelinhas e assim deve ser. Não consigo fechar os olhos e não entender que cada letra que ela escreve me atinge, ela é um dardo. Vejo sempre que sua pontaria é uma artimanha, num arremesso me jogo em sua direção e sei que às dez ela vai escapar pelas reticências... Porque ela brinca com as palavras? Não tem ninguém na jogada de sedução.

Nono. Fica estabelecido nunca tentar dar uma nota, um nono patamar ou décimo, ela está acima de todas, ela é dez, tem tudo que uma mulher precisa ter - suavidade e feminilidade, não posso tocar e assim deve ser. Não consigo entender porque ela folheia essa revista, ela é como uma vista. Vejo sempre que ela me conquista, num segundo quero gritar bravo se não eu travo e às dez sei que ela vai me amar. Porque ela não me quer? Não vejo ninguém gostando dela.

Décimo. Fica estabelecido parar todos os relógios no décimo segundo, ela é uma mulher do tempo e eu não posso ter nenhum contratempo para ir encontrá-la e assim deve ser. Não consigo esperar nem respirar mais, ela parece uma brisa. Vejo sempre que ela tem um jeito de poetisa usa roupas tão leves, costas nuas como uma sacerdotisa e às dez sei que ela vai chegar. Porque ela fica marcando tempo? Não posso me atrasar, nem dez ... dez minutos.