NOITE IMENSA
Tieme Mise
 
 

O relógio estava preparado para despertar antes do sol, mas parecia que as horas tinham adormecido no tempo. Os olhos fechados sentiam o peso das pálpebras. A madrugada crescia, esticando os minutos. O sono não vinha.

Seria seu primeiro encontro com aquele que já vinha povoando seus sonhos. Tudo havia começado como uma brincadeira e fora ganhando corpo com o virtual contato diário, as trocas, os poemas, a sintonia, até que a necessidade de um encontro gritou mais forte. Haviam marcado para as oito horas, em frente á estátua do Castro Alves, em plena praça pública.

Precisava estar bem repousada para que as olheiras não se acentuassem. O sono havia fugido deixando, em seu lugar, a ansiedade. O passar do tempo, lento, pachorrento, seguia sem nenhuma pressa. Era uma luta quase sufocante em busca do sono.

Os lençóis da cama esquentavam o corpo que não relaxava. Contar carneirinhos não estava adiantando. Os pensamentos se atropelavam e a noite desamassava seu manto, tornando-o maior. Talvez um copo de água com açúcar ajudasse. Depois do terceiro copo e duas idas ao sanitário preferiu não usar este método. Olhou, de esguelha, o relógio de pulso e viu que a madrugada já ia quase ao meio.

Resoluta, levantou-se, prendeu os cabelos com um coque e tomou uma ducha quente, voltando a se lavar com cuidado. Parecia uma adolescente, no entanto já havia consumido mais anos do que gostaria. Notou, com certa tristeza, alguns fios de cabelo branco quebrando o castanho dourado embora, em seu rosto, ainda o vigor da juventude estivesse presente.

Sentou-se na saleta de lazer e ligou a televisão não prestando atenção ao filme antigo que estava sendo rodado. O tempo se espreguiçava, moroso.

Sentiu-se corajosa e aventureira e um riso meio esboçado coroou seu rosto ao pensar nesse encontro inusitado. Olhou a roupa já passada e arrumada sobre a cadeira, a que vestiria para o encontro e que lhe custara horas na escolha. Tentou terminar as palavras cruzadas que havia iniciado alguns dias atrás. Não tinha serenidade para tanto. Voltou a olhar a tela da TV. Quando a noite foi perdendo o seu negrume um bocejo anunciou o cansaço.

Não ouviu o relógio despertar no quarto nem os primeiros raios de sol, fazendo cócegas nas persianas cerradas. Ressonava ainda quando o toque insistente do telefone a despertou. Olhou o relógio. Viu que já passavam das nove horas. Aturdida, correu para o telefone. O dia havia chegado célere, engolindo as horas diante daquela noite imensa.