Era só outra festa, entre tantas e outras
De que nunca me lembrei direito.
Acho que nunca vou lembrar, o pouco que sei
Aprendi depois com as fotos dos jornais e as matérias
Das revistas que ele guardou tão bem.

Uns dizem que foi a sorte, outros que dói Deus...
...assim mesmo com o `d`maiúsculo.
Que caiu em desuso depois dos anos noventa.
Alguns querem me fazer crer que ambos não deixaram-me
Morrer naquela noite.
Ali, na sarjeta, cansado, com frio, com fome, com sono.

Só sei que o álcool sempre veio fácil, junto com alguns cigarros.
Alguém sempre te dá um trago, um sorriso, empresta um isqueiro e
Fica sorrindo quando vc dá ás costas e se vai na noite sem fim.

Como já disse, era só uma festa, entre tantas outras...
Ali, na sarjeta, cansado, com fome e com frio e com sono dormi.
Cedi, descansei. Olhando ao ir e vir das pessoas que tinham ingressos
Para a boate.
Ouvindo suas vozes, sentindo o cheiro forte de seu perfume barato.
O estrondo ensurdeceu á todos, menos a mim, que nasci surdo.
Pelo contrário, uma única vez na vida ouvi.
A luz cegou á muitos, mas eu estava sempre olhando para o outro lado.
O cheiro era terrível! Um misto nauseabundo de carne queimando, madeira...

Era só uma festa, entre tantas outras. Eu sei que já disse isso umas quantas
Vezes. Mas é tudo que tenho para dizer sobre a noite do acidente.
Dizem que o avião caiu ali, perto da cabeceira da pista.
Que atravessou a rua...que entrou num prédio.
Mas disso só sei o que ele me conta.
Quem?
Esse estranho que me segue a vida toda sempre sorrindo,
Que diz que minha hora não chegou.
Que senta perto de mim na rua e abre o jornal do dia,
Todos os dias!
Droga, por que um anjo pode guardar a vida de um homem
Mas não pode ensina-lo a ler?
E limita-se a me dizer que Deus se escreve com ´d´maiúsculo,
Como se para mim houvesse diferença entre letras grandes e pequenas

Sobre a noite, foi imensa, de uma dor que nunca passou
Nem passará para muitas pessoas.
Sobre a vida? Sobre a minha vida?
Igual aquela noite...só que todos os dias.