O QUINTAL
Ly Sabas
 
 

Para os adultos era só um quintal onde criavam galinhas, cultivavam legumes, verduras e frutas. Mas para a petizada, era um mundo transbordante de fantasias!

No extremo direito do mundo, logo após a planície verdejante, ficavam os domínios do Conde Aníbal. O condado era pequeno e todo cercado. Seus súditos eram na maioria fêmeas que trabalhavam intensamente para que o conde pagasse os impostos devidos ao Rei. Todos os dias, pela manhã, a Rainha enviava uma pequena camponesa. Ela vasculhava o condado e recolhia pequenos tesouros brancos que escondiam em seus interiores gemas preciosas. Em outras feitas, o Rei aparecia em pessoa. Fazia-se acompanhar de seu fiel escudeiro Guarani. Embora fosse de natureza dócil, sob as ordens de seu senhor, transformava-se em um ser monstruoso, perseguindo sem piedade os vassalos do Conde. Era um ritual primitivo e aterrador. O Rei escolhia quem seria sacrificado, fazia um sinal e dizia umas palavras ao seu escudeiro que se lançava em perseguição, por todas as dependências, até conseguir mobilizar sua vítima. É verdade, e isso precisa ser dito em sua defesa, que não machucava nem feria ninguém, deixava essa parte terrível para seus senhores.

No lado oposto as terras de Aníbal, atravessando a planície, ficava a aldeia dos índios mais selvagens que se possa imaginar. A tribo inteira dividia duas cabanas feitas de troncos e folhas de bananeiras e usava bolotas de mamona nas zarabatanas metamorfoseadas em estilingues. Os índios estavam sempre em pé de guerra com as camponesas que cultivavam boa parte da planície. Embora em menor número, eles sempre saiam vitoriosos dos combates, porque mamonas doem mais do que tomates e camponesas choram com mais facilidade do que índios.

Quando os índios partiam da aldeia em direção à floresta, por mais absurdo que fosse, tinham que primeiro atravessar o mar. Suas águas, de um brilhante verde-grama, eram infestadas por barcos fantasmas, que só deixavam visíveis suas imensas velas coloridas. Nestas ocasiões usavam disfarces de piratas e um barco redondo de alumínio, bem grandão, que pilhavam do castelo real. Diversas vezes tiveram que enfrentar um enorme e felpudo monstro marinho, clone do fiel escudeiro do Rei, que se embarafustando entre as velas fazia tal alarido atraindo a atenção das camponesas. A batalha recomeçava e invariavelmente terminava com todos levando lambadas de varas de amoreira, desfechadas pela Rainha que, além de amiga do monstro, era mandatária dos barcos fantasmas.

Quando conseguiam vencer a batalha antes que a Rainha aparecesse, corriam à se esconder na floresta. Lá era o lugar perfeito para isso, podiam ficar bilhões de anos só se alimentando das generosas árvores. Apenas precisavam tomar cuidado com as feras selvagens que também se escondiam lá. A mais temível de todas era um gato malhado que já havia deixado algumas cicatrizes no fiel escudeiro do Rei, arrancado uns pêlos do monstro marinho e não gostava nem um pouco do Cacique. Por certo tempo aquele foi um território somente dos índios. Para manter as camponesas longes, o Feiticeiro teve a brilhante idéia de dizer que o local era mal assombrado e, além do mais, elas não sabiam subir em árvores. Esse argumento foi válido somente até o dia em que fizeram a grande descoberta: as meninas conversavam com os espíritos da floresta!

Mas isso é outra história que vai muito além do mundo-quintal.