A TURMA
Tieme Mise
 
 

O telefonema daquele dia surpreendeu Marisa. Havia anos que não ouvia falar das pessoas que fizeram parte naquela turma de encerramento do curso de filosofia. Pelo menos 37 anos haviam-se passado.

O espelho reproduzia insensível a insatisfação de Marisa. Algumas rugas já faziam vincos em seu rosto e a bochecha parecia gelatina começando a se dissolver. A pele, antes clara e viçosa, mostrava agora manchas encardidas, como um pano surrado de tantas lavagens, mas seu sorriso continuava o mesmo, de uma doçura ímpar, mostrando a fileira de dentes ainda brancos que recusava o desgaste do tempo e nos olhos castanhos esverdeados o brilho do espanto sempre presente suavizava o grisalho dos cabelos, outrora negros. Já estava com mais de cinqüenta anos, mas ainda mantinha o corpo ágil e levemente recheado sem necessariamente ser gordo.

Mesmo assim, havia um estranho dissabor. Tentou, com as mãos, desfazer as rugas. Em vão; elas tinham força de vontade.

Seria para dia 9, um sábado, o encontro dos que fizeram parte daquela turma, pelo menos os que foram encontrados, num total de 14, dos 46 que terminaram o curso.

Chegou o dia nove. Arrumou-se com cuidado especial. Temia o espanto pelo contraste. Lembrava-se de Juan Navarro, um nicaragüense que fizera seu coração bater mais forte, num amor platônico e silencioso. Era tímida demais, naquela época, para demorar mais que uma olhadela naquela cabeleira farta e dourada e naqueles olhos de um azul cristalino. As mãos, com seus dedos longos, a tinham magnetizado pela primeira vez e seu corpo magro mantinha o violão junto a ele com tanta delicadeza que Marisa desejou muitas vezes trocar de lugar com o violão nas serestas que faziam no final de cada mês. Mas ele, se notou a paixão da garota, não deu nenhum sinal e, no término do curso, estava noivo de Isabela, a mais bonita da classe. Soube depois que havia se casado, às pressas, por ela estar grávida.

Havia o Valter, que sentava sempre no mesmo lugar e tinha os dentes amarelos, um cheiro estranho, por fumar demais e uma aparência meio desleixada. A Íris, com suas roupas colantes, saias curtas e olhares sensuais.

Deu mais um retoque no cabelo e, com ansiedade, dirigiu seu Fiat, de três anos, até a porta do clube onde haveria o encontro.
Entrou com passos firmes e com o coração saltando dentro do peito. Havia pelo menos umas doze pessoas. Não reconheceu nenhuma delas.

- Marisa! É você?-

Voltou-se e viu uma senhora rechonchuda a lhe sorrir. Aos poucos a vivacidade de Isabela surgiu naquele rosto gordo e pode reconhecer a mais bonita da turma. Ainda continuava bela. Emocionada, Marisa a abraçou, com força.

Viu o senhor, gordo e careca, que trazia nas mãos um copo de cerveja, se aproximando a lhe sorrir e, por um momento a figura do Juan, jovem e magro, saltou-lhe aos olhos. Havia mudado, mas o calor do abraço fez Marisa sentir, dentro de si uma satisfação imensa. Tinha sonhado muitas vezes com esse abraço e ele lhe chegava de uma forma inesperada.

Valter não havia mudado muito. Agora uma barba grisalha cobria seu rosto magro. Os dentes foram substituídos por prótese alva e brilhante. Tinha uma aparência requintada. Seu abraço foi vigoroso. Íris tinha envelhecido muito e seu rosto estava emurchecido e triste. Lutou alguns anos com um câncer de mama, o tinha vencido, mas as marcas da luta permaneceram.

Aos poucos, foi reconhecendo os amigos de sua turma e, em breve, o tempo já não importava nem se fazia sentir tal era a tagarelice e as recordações, o riso solto e a alegria.

Como num passe de mágica, voltaram a ter a mesma idade de outrora. Para aquela turma, o reencontro trouxe uma satisfação a muito esquecida: a de que o tempo era apenas um simples detalhe.