ESSA DO REFLEXO NÃO SOU EU!
Sophia Lange
 
 

Olho no espelho e não me reconheço mais.

Passo as mãos nos cabelos brancos, opacos... Antes cheios de viço. Os olhos sem brilho. As rugas... Esse cheiro da velhice impregnado e que não se sabe de onde vem.

Não enxergo nem alguém que se parece comigo.

As mãos fracas, as pernas. Falta força. Falta coragem. Falta vida. Amor não falta.

A casa está vazia. Onde estão os netos? Os filhos, as crianças? Os almoços de domingo, as festas. A alegria?

Os meus, aqueles que fizeram parte do que sou, da minha história, se foram. Restam-me espectros, fotos desatualizadas, lembranças empoeiradas, tão distantes que nem eu sei mais se as vivi.

Pergunto-me por onde anda aquela mulher que fui. O vestido novo. As esperanças.

Me ficou esse gosto de amargo.... De mulher amarga, que foi esquecida pelo mundo.

Essa casa enorme, cheia de vidros. Sofás, os móveis... Tudo que restou. Nessas coisas eu me apego.

Que injustiça... Eu ainda teria tanto a dar ao mundo. Tanto amor, tanta paz. Um pouco dessa serenidade que me veio com a idade. Um pouco da minha loucura branda, de quem já viu tantas histórias se repetirem.

E eu ia os colocar no colo, ensinar velhas canções de roda e de ninar. Empurrar o balanço, fazer bolos e doces... Assim, como eu rego meu jardim.

Falar aos jovens das minhas experiências, do meu primeiro amor. Das coisas que vi no mundo. E que tudo passa, sempre passa... Haja amor ou dor.

Mas eu não me reconheço mais... Não encontro as forças. E vou ficando aqui, nessa velha cadeira. Encostada, quieta... Ouvindo a vida passar lá fora. Apenas olhando.