O GOLPE BAIXO DO BAIXINHO
Andrea Natali
 
 

Na cidade em que eu morava, todo o fim de semana tinha um evento na praça principal. Cidade do interior não precisa de muita coisa para fazer festa, basta o parente de alguém vir da capital para ser uma verdadeira festa.

Mas o prefeito gostava de reunir o povo em torno da Praça da Matriz, aos domingos, sempre às 16 horas. Tinha show de mágica, dupla sertaneja, cantor de rock, mpb, tudo o que pudesse imaginar. O indivíduo que não soubesse fazer nada e estivesse a fim de pagar um mico, também subia ao palco.

Eu e minhas amigas sempre íamos aos shows. Era o ponto de paquera do fim de semana, que garantia o sorvete do sábado seguinte – para aquelas que fossem felicitadas ao encontrar um boa-pinta. Afinal, as turmas do Bolinha e a da Luluzinha queriam botar para quebrar.

Mas havia um rapaz em especial que nunca fez parte da turma do Bolinha: o Fernandinho. O rapaz tinha um problema genético e não cresceu muito. Era quase um anão, um pouquinho mais alto. Os rapazes viviam zombando da cara dele e as meninas nem davam bola, pois ele era muito baixo e ficava feio uma mulher mais alta que um homem.

Numa determinada época do ano, os shows ficaram ameaçados. Uma onda de assaltos tomou conta dos domingos. Roubava-se de tudo: dinheiro, bombons, balas, carteiras, flores. E o mais estranho era que a maior parte da vítima era de homens, pouquíssimas mulheres foram assaltadas.

Um dia, depois de encerrado o show, os meninos reclamavam das coisas roubadas, estava um burburinho danado e o guarda tentando acalmar os ânimos, mas o povo todo falando, não dava trégua de nada, aquilo estava me dando uma dor de cabeça... Sem pensar, dei um berro:

- Chegaaaaaaaaa!

- Nossa, Clarinha, o que aconteceu? – perguntou um dos rapazes

- Primeiro que vocês não param de falar ao mesmo tempo e isso está me deixando louca. Segundo que eu acho que sei quem é está praticando esses pequenos roubos?

- Dona Clara, a senhora tem certeza do que está falando? – perguntou-me o guarda.

- Seu guarda, eu tenho quase certeza. Eu acho que é o Fernandinho que está fazendo vingança para os meninos.

- Mas por que ele se vingaria de nós, Clarinha? – indagou Roberto.

- Beto, ele quer atenção! Vocês o debocham o tempo todo por causa da altura dele. Nenhuma garota dá bola para o que ele fala! Eu acho que ele usa esse golpe baixo para deixá-los tão nervosos quanto ele fica ao ser provocado.

O guarda me interrompeu na hora.

- Acredito que você tenha razão, Clara. No show da semana passada, vi o Fernando num canto escondido comendo chocolate, longe de tudo e de todos. Quando perguntei a ele se estava tudo bem, ele me disse que sim, mas que eu não deveria comentar com ninguém que ele tinha ganhado chocolates finos de um primo, para não ter que dividir com a turma.

- É verdade! Ele não tinha se misturado à turma, assim que voltei da capital – Flávia lembrou – há algumas semanas, estava atrasada para o show e encontrei com ele no meio do caminho. Perguntei se ele viria, mas Fernandinho negou dizendo que tinha um compromisso. Achei estranho, mas não dei atenção.

De repente, todos pararam e pairaram os olhos sobre Fernandinho, que vinha em nossa direção com uma roupa super chique, meio estranho, pois não parecia a mesma pessoa que conhecíamos. Acabei perguntando:

- Fernandinho, você está diferente... Roupas novas?

- Você viu meu novo visual? Agora ninguém pode dizer que sou feio só porque sou baixinho. Tenho roupas bacanas e vou levar a mulherada para ótimos lugares.

- Com que dinheiro? Até outro dia você estava reclamando que a sua mesada não dava para nada e os bicos que fazia pagavam muito pouco! – questionou Flávia.

O rapaz ficou atônito. Nada tinha mudado na vida dele e o que a moça dizia era verdade. Era como se o mundo dele estivesse caído com meia dúzia de palavras.

Percebendo que as nossas desconfianças se tornavam reais, o guarda puxou Fernando num canto e eu fui atrás.

- Fernando, ninguém vai prejudicar você, só queremos saber o que está acontecendo.

- Mas eu não fiz nada, seu guarda!

Achei melhor intervir.

- Fernandinho, fala a verdade, é você que anda aprontando nos shows, não é? Sabemos que não é por maldade, mas para chamar a atenção dos rapazes. Você tem raiva deles porque eles zombam com a sua altura! Já os vi lhe maltratando e sei que não é nada agradável. Mas nem por isso, você precisa tirar o que lhes pertencem.

- Clarinha, eu não sabia mais o que fazer para que eles desviassem a atenção da minha pessoa! Eu sei que é errado o que fiz, mas não tive outra saída. Desde que comecei a perceber que a minha altura não passava pela visão deles no meio da multidão, resolvi usar esse golpe baixo. Mas ninguém presta atenção em mim, nem a minha família! Só porque eu sou baixinho!

- Fernando, o que você fez está errado – disse o guarda – Não vamos poder ignorar o fato. Mas a sua confissão já é um passo. Vamos lá na delegacia e conversar melhor, longe dos olhos de todos.

Os dois saíram e a turma ficou olhando. Talvez tivessem percebido que abusaram do preconceito.

O Fernandinho cumpriu pena promovendo ações sociais. Depois ele foi estudar na capital e nunca mais voltou. A história foi esquecida pela turma. Mas gargalhei muito quando, ao visitar meus pais recentemente, fiquei sabendo que o Fernando tinha sido autor do golpe baixo do baixinho na turma dos altões.