O BALÃO ESTRELA
Claudia Sanzone
 
 

Minha avó materna sabia fazer balões de papel. Na ocasião das festas juninas, era comum soltarmos os artefatos flutuantes da avó. Durante minha infância, que eu me lembre, não era proibido soltar balões. Havia até campeonatos. E quase não se via, nesses concursos, o balão tradicional, em formato de cone duplo. A imaginação e a perícia dos baloeiros eram admiráveis. Eles construíam e faziam voar verdadeiras obras de engenharia em papel. Concordo que o risco de incêndio é algo que demorou muito a ser reconhecido como motivo mais do que justo para a proibição dessa prática lúdica. Todo o processo que envolvia desde a feitura até o desaparecimento desses artefatos pelos ares era algo que empolgava qualquer criança, e adultos também. Quando os balões pegavam força suficiente para subir, todo mundo aplaudia, assobiava, gritava... era uma festa à parte.

Houve um balão em especial que me marcou: o balão-estrela. Minha avó bolou uma figura tridimensional no formato do referido corpo luminoso celeste. Depois de pronto, o bicho tinha uns cinco metros de altura e devia chegar a uns três metros de envergadura. Possuía quatro pontas horizontais e duas verticais. E todo ele era de cor azul-escuro. Ainda no chão, esticado num único plano e visto de cima, parecia uma rosa-dos-ventos mutilada, onde lhe faltavam os pontos colaterais noroeste e sudeste. Já inflado, o troço fazia lembrar uma banana descascando, um molusco marinho ou um parafuso deformado. Só não se parecia com uma estrela. Se ainda fosse branco, talvez facilitasse a semelhança. Mas, azul? Sem chance. Como a idéia era soltar o bendito balão ainda de dia, o branco não sobressairia no céu claro, alegava minha avó.

A soltura do balão se transformou numa operação espetacular. Participaram pelo menos umas oito pessoas do processo. Tinha gente para segurar cada ponta lateral, além de uma pessoa para sustentar o balão por cima e mais outras duas para acender a bucha robusta travada dentro da bocarra do bichão. Sem falar nos participantes acessórios que atuaram como gandulas, trazendo barbante, escada, fósforo etc. Meu tio, que fora encarregado de segurar o ápice da estrela gorducha, trepou na laje do vizinho para alcançar altura suficiente. E o próprio vizinho entrou na operação, claro. Quando há um acontecimento desses num bairro de subúrbio, além de ceder o teto de sua casa para um doido subir nele, o morador ao lado deve tomar parte da maluquice. Nessa hora, todo mundo dá palpite e quase ninguém se entende. O balão, que começou a ser armado às 15h, só ficou em pé à noite.

Mas ele finalmente estava ali: robusto, inflado e soltando fumaça pelas brechas. A força imponente e natural do fogo mantinha-o na vertical, ereto. E eu ficava admirada com a propulsão do calor, capaz de sustentar e elevar um bichão daquele tamanho. Minha vontade de vê-lo sair flutuando acabou superando a má impressão que a forma esquisita dele me causara. A equipe, então, ia liberando aos poucos cada extremidade do balão. A torcida e a expectativa pela subida triunfal eram enormes.

Mas, por um golpe baixo da natureza, um vento sudoeste repentino solapou o balão por baixo, tirando literalmente o norte dele. O fogo, traidor-sem-vergonha, encarregou-se de lamber o leste, o oeste, o nordeste...