ÁGEIS
Eduardo Prearo
 
 

Olhou para um policial no metrô que quando o viu mexeu no cacetete. Sentia que não podia mudar de direção, como por vezes fazia, porque isso era suspeito. Ele era indeciso, só isso, e só isso bastava para ser um criminoso em fuga. Entrou em um supermercado e não conseguiu comprar azeite porque alguém passando atrás dele sussurrou a palavra albergue, uma palavra que evocava miséria, um futuro brutal na miséria. Agora que ele não era mais legitimamente um doente, não dava mais ônus para o governo, as coisas haviam ficado um pouco mais duras, mas , como diz o ditado, a vida é dura pra quem é mole. Teve vontade de largar tudo, todo o alimento que carregava, não gastar mais a não ser com a passagem que o levaria para o cais, mas interrompeu-se. Era quinta-feira à noite e a solidão avassalava em todos os níveis. De onde vinha tanta gente? Do inferno? Debatendo-se no deserto, pensou em Saturno na sua quinta casa, no quanto talvez um romance o completaria. Mas com quem, com homem ou com mulher? Estava ficando cada vez mais impotente, talvez sempre fora um sexualmente, mas como diziam que o mal era um bem em gestação, era melhor não pensar no futuro óbvio e horrível. Pensou em Roberto, no rapaz com cara de anjo que por vezes encontrava em festas. Roberto tinha pergaminho e caso aprontasse não iria para uma cela coletiva. Mas Roberto não o queria. Minha nossa, como sou fácil, pensou. Ficou andando pela rua, e por volta das vinte e duas entrou em uma lan house. Às vinte e duas horas ele completou trinta e nove anos, trinta e cinco meses, quatro dias e quatro horas. Às vinte e três, entrou em uma festa sem ser convidado e encheu a cara. Ele está meio que pra baixo, alguém comentou. E estava mesmo, não era expansivo, era tido como um nojo, achava-se um nojo também. Era maravilhoso poder comer ostras sem parar. Queria gostar-se mais, ter um trabalho agradável e bem renumerado. Olhou-se em um espelho qualquer e lembrou-se da palavra arquétipo. Voltar ao passado envolvia algo como arquétipo. Ele não entendia, mas mesmo assim de repente estava de volta ao passado, em um setembro da adolescência... ... ...

Thomas!, vai perder a hora. Era mamãe me acordando, ela estava tão linda! Vesti-me e quando me olhei no espelho achei-me horrível. Passei um gel e pus todo aquele cabelo pra trás. Precisava de um cigarro, talvez alguém pudesse me arrumar um na escola. Maldito vício. Vi que tinha dinheiro no bolso e comprei um maço em um bar. Não, eu não voltava para me matar, e meu corpo, sem nenhum tipo de intoxicação, reagiu violentamente. Achei minha sala de aula após muita procura. Sentei em meu lugar de sempre, tudo era muito chato... ... ...

-- Professor, eu tenho algo para falar. Sua aula é uma merda, eu não estou entendendo nada. Por que que eu tenho obrigação de continuar aqui? Eu vim do futuro, e não vou conseguir nenhum estágio nessa profissão que escolhi, talvez não conseguiria em nenhuma que escolhesse.

Voltou ao presente. Na verdade a sala de aula estava vazia. Quando a porta dela se abriu e ele entrou, em slow motion, não havia ninguém, havia o som do vento em um deserto. A vida passara bem rápido, as vidas passavam rápido. Teve por um momento vontade de reunir em um imenso salão os parente de todas as suas vidas. Já passava da meia-noite, já era sexta-feira, dia venusiano em que parecia que ele era um pederasta perseguido por uma população desconhecida, porém justa. Pensou em Cristo Jesus, no quanto as pessoas que o procuravam pareciam dignas de Sua Salvação, no quanto todo mundo era ágil e ele não; ele era um preguiçoso, um molenga.

Era uns homens que o perseguiam a mando das mulheres, pelo menos assim que ele gostava de pensar. Para os homens ele era um senhor que dava nojo, o que no fundo as mulheres é que achavam. Antes tivesse ido pro cais. Mas fazer o que lá? Ninguém jogava bem na vida se era fraco no xadrez. Vestiu-se de preto pois achava que assim ninguém o exterminaria. No entanto, estava claro que alguém o exterminaria, um dos ágeis, talvez uma mulher. Pensou em voltar a ser gigolô, em voltar a enganar as mulheres em troca de conforto, paz e carinho, mas não; os golpes que já tinha aplicado estavam ultrapassados. A velhice chegava e a solidão, aumentando, mostrava-lhe o quanto as pessoas, no geral, sabiam viver bem suas vidas. Céus, como eram ágeis!