O BECO
Teresa Maria de Magalhães Araújo
 
 

Vida estreita. A mãe cavernosa. Era para dentro, cavada, funda e obscura. A voz grave, como se guardasse toda a memória, na garganta. Rosto cansado, sulcado pelo tempo. Mas houve outras épocas cheias de riso e sedas. A enorme casa branca da fazenda, com assoalho de madeira, as janelas pintadas de azul, desabotoadas para fora, deixavam entrar as cantigas de roda da criançada. O vento correndo. As festas, as cavalgadas. A presença forte do marido, os filhos pequenos e saudáveis. O pasto verdinho.

A seca trouxe a morte e a pobreza. Sem o marido, ela e os pequenos foram para a cidade.

Na casa minguada, os filhos se acotovelavam. Um tinha montanha na alma, corredeiras de água doce, úmida floresta de sombras. O Outro carregava o mar, na cor dos olhos e nos sonhos. O horizonte o chamava, o longe. Alinhavavam a espera. Certo dia, o silêncio da casa sobressaltou a mãe. Lúgubre, abatumado. Pela primeira vez, espiou chorosa e demoradamente as gavetas vazias, enquanto se acostumava devagar com as ausências.